Brasil, a luta continua

Luís Carapinha

Aquilo que se vê é um corrosivo ajuste de contas de classe

2016 fica para os anais como um ano negro para o Brasil. A vasta maquinação antidemocrática que há muito vinha operando no terreno logrou concretizar, a 31 de Agosto, o golpe de Estado institucional no país irmão com a votação no Senado que carimbou a destituição definitiva da presidente eleita, Dilma Rousseff. Em todo o processo golpista não foi demonstrado que a chefe de Estado legítima tivesse cometido algum crime. Em contrapartida, desfilou aos olhos do mundo a montra de horrores da imoralidade e putrefacção políticas endémicas e o protagonismo de uma corja de corruptos da pior espécie no papel de justiceiros do golpe. A par da sinistra instrumentalização dos principais media e, em particular, do aparelho da Justiça às mãos da oligarquia brasileira rendida à grande finança – e subordinada ao imperialismo – que constitui a marca de toque do golpe. Não espanta a revelação das ligações do juiz Moro e do procurador-geral da República a círculos dos EUA e o mais que provável envolvimento dos serviços secretos norte-americanos em toda a trama.

Se dúvidas ainda pudessem persistir sobre a real génese e natureza do golpe, a acção do executivo do presidente-fantoche Temer dissipam-nas totalmente. Aquilo que essencialmente se vê nestes meses de tarimba golpista desde o Palácio do Planalto é a avidez e virulência de um corrosivo ajuste de contas de classe. A senda revanchista do golpe da grande burguesia e oligarquia, da casta selecta de grandes proprietários e especuladores financeiros, aponta não apenas aos direitos e interesses das classes trabalhadores e populares, mas também à soberania e desenvolvimento do Brasil. Traduzindo-se na monstruosidade da aprovação do pacote que «congela» durante 20 anos as despesas da educação, saúde e protecção social, na reforma da Previdência em preparação, na flexibilização das leis do trabalho, nas medidas e emendas políticas antidemocráticas e no hiperprograma de privatizações anunciado. Está em curso um processo inaudito de espoliação e concentração da riqueza, de devastação e pilhagem do aparelho produtivo e entrega ao capital transnacional. Aí estão os lesivos planos de alienação da Petrobras e da exploração do pré-sal. Sintomática é também a perseguição movida contra o programa de energia nuclear brasileiro com a prisão do almirante seu responsável. No plano externo, o golpe no Brasil é uma peça crucial da reversão da correlação de forças na América Latina. E o Brasil pós-golpe surge como o elo mais fraco no seio dos BRICS.

As consequências do curso golpista são dramáticas num país com a dimensão e o nível de carências e desigualdades sociais do Brasil. O quadro recessivo mantém-se (prevendo-se que o PIB recue 3,5% em 2016) e o desemprego pulou para os 12%, atingindo já mais de 12 milhões de brasileiros. Mas sobe também a rejeição do golpe e da figura de Temer, desaprovado por 77% da população segundo os últimos dados. De modo algum se exclui que, à semelhança de Cunha, Temer possa vir a ser sacrificado, para que o golpe viceje. Estaria assim cumprida a missão de partido charneira e lebre golpista em que se deixou enredar o PMDB. A parada é muito alta. Tudo será feito para enfraquecer a esquerda e criminalizar o PT e, pessoalmente, Lula, visando inviabilizar a sua eleição em 2018. É preciso reverter e borrar o legado de importantes, embora insuficientes, avanços de 13 anos dos governos Lula e Dilma. Como tem sido denunciado, a estratégia golpista restauradora atenta contra a própria Constituição de 1988, pós-ditadura. Esta é uma corrida contra o tempo, em que o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo mostra que o golpe no Brasil está em contra-mão da História. Decisivo em 2017 para travar a «ofensiva reaccionária e abrir perspectivas para superá-la» será a «luta política de massas» e as «mobilizações do povo» (CC do PCdB, 4 Dez. 2016).




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