Regresso ao passado rejeitado
A visita de Barack Obama e os 40 anos da instauração da ditadura foram pretextos para os argentinos contestarem o retrocesso promovido pelo presidente Mauricio Macri, que cumpriu cem dias de mandato.
O presidente dos EUA saudou o «regresso da Argentina»
Nos dias 23 e 24 de Março, coincidindo com a visita de Barack Obama ao país e com os 40 anos da instauração da ditadura na Argentina (1976-1983), milhares de pessoas concentraram-se no centro da capital, Buenos Aires. O dia 24 de Março como o da Memória, Verdade e Justiça em homenagem aos cerca de 30 mil desaparecidos durante regime fascista liderado por Rafael Videla, aos milhares de executados, detidos ou torturados, e às crianças retiradas às mães quando estavam no cárcere, foi instituído em 2006 pelo então presidente Néstor Kirchener.
Durante as presidências de Néstor e Cristina Kirchener (2006-2015) e em resultado de medidas tomadas pelos mandatários, mais de 630 pessoas foram julgadas e condenadas por violações dos direitos humanos durante a ditadura. De 1984 a 2006, o número de processos foram quatro.
No passado mês de Dezembro, vários presos a quem são atribuídos crimes de lesa-humanidade foram colocados em liberdade com a complacência do presidente Maurício Macri. Nesse sentido, a visita do presidente dos EUA ao país, justamente no dia 24 de Março e no contexto de uma forte conflitualidade social e contestação à orientação ultra-reaccionária do executivo, teve para as organizações e forças progressistas e de esquerda argentinas um significado simbólico.
Sem perdão
Barack Obama procurou demarcar-se do apoio político e logístico que os EUA deram à ditadura ao prestar homenagem às vítimas e ao referir timidamente a violação dos direitos humanos. Caucionou, porém, o ensejo de Maurício Macri de «olhar para o futuro» e soterrar o genocídio e o terrorismo de Estado praticados com o [documentado] estímulo dos mais altos responsáveis políticos de Washington, acusaram organizações e participantes na marcha realizada dia 24 sob a consigna «sem direitos não há democracia».
Este lema remete, por outro lado, para a situação de autêntico regresso ao passado noutros planos. Os argentinos não esquecem e pretendem justiça pelos crimes cometidos entre 1976 e 1983. Uma sondagem publicada segunda-feira, 28, pelo diário página 12, indica que oito em cada dez argentinos repudiam a ditadura, e que 60 por cento dos inquiridos considera que o actual governo deve perseguir e julgar os responsáveis por delitos contra os direitos humanos.
Reclamam, no entanto, e com o mesmo vigor, contra a orientação reaccionária imposta desde que Mauricio Macri foi empossado chefe de Estado, de que servem de exemplo a vaga de despedimentos e a perseguição de trabalhadores contratados na administração central e local (algumas estimativas indicam que são já mais de 100 mil); a censura de perspectivas e informação críticas (suspensão da Senado TV e de programas na televisão estatal, anúncio da retirada do sinal da Telesurtv); o favorecimento dos grande capital (derrogação da retenção de lucros da exploração mineira e da agro indústria, acordo com os fundos especulativos pela emissão de mais 15 mil milhões de dólares de dívida soberana, levantamento das restrições à conversão de moeda nacional em dólares e à sua exportação); o fim da subsidiação da electricidade provocando aumentos de até 500 por cento, bem como agravamentos sucessivos na tarifa de gás para as famílias e MPME; a repressão dos protestos populares e imposição de tectos salariais, etc.
Tudo promovido pelo governo de Mauricio Macri nos primeiros cem dias, o qual Barack Obama saudou como exemplo do «regresso da Argentina à liderança regional» e ao seio da «economia global», e com quem subscreveu uma série de acordos que fazem lembrar os famigerados tratados de Livre Comércio.