Respeitar direitos e valorizar salários
O anterior executivo ludibriou os portugueses quanto ao carácter temporário ou definitivo dos cortes de rendimentos, denuncia o Secretário-geral do PCP, que acusa PSD e CDS de tentarem agora «esconder esse engano premeditado».
Para haver um Estado moderno os seus trabalhadores têm de ser valorizados
«Descobriu-se que andou por aí muito contrabando. PSD e CDS andaram durante quatro anos a dizer aos portugueses que os cortes eram temporários mas à Comissão Europeia diziam que eram definitivos. Essa manobra ficou agora a descoberto, ficou claro que enganaram os portugueses», afirmou Jerónimo de Sousa, sexta-feira, 29, no debate quinzenal com o primeiro-ministro.
Corroborando das considerações do líder comunista, António Costa fez contudo notar com ironia a necessidade de haver alguma «prudência» nessa avaliação, porquanto, frisou, não se sabe «quem é que (Passos Coelho e Paulo Portas) enganaram – se enganaram a Comissão Europeia ou se estavam a enganar os portugueses».
«Só saberíamos se tivessem continuado no governo. Estaríamos agora a saber se aquilo que era temporário, afinal era definitivo. Sabemos bem que nunca tiveram pudor em enganar os portugueses, como fizeram na [devolução da] sobretaxa de IRS relativamente a 2015», acrescentou o chefe do Governo.
Antes, Jerónimo de Sousa assinalara também que PSD e CDS estão preocupados não com a «opinião da UTAO sobre o orçamento» ou o défice mas com a «real possibilidade de reposição daquilo que cortaram, com a reposição dos salários e das pensões que a Assembleia da República já decidiu e o Orçamento confirmará».
«O que preocupa PSD e CDS é que esses cortes que fizeram sejam eliminados, que os direitos e rendimentos sejam repostos e que os trabalhadores possam ver devolvidas as suas condições de vida e de trabalho», sustentou o dirigente máximo do PCP neste debate que até esse momento fora muito centrado – a partir das intervenções de Passos Coelho (PSD) e Nuno Magalhães (CDS) – nas dúvidas suscitadas por Bruxelas ao «esboço» de Orçamento do Estado para 2016, em particular quanto à forma como a reposição de salários ou a eliminação da sobretaxa de IRS são comunicadas às instâncias europeias.
Respeitar direitos
E a propósito de reposição de rendimentos o líder do PCP defendeu ser esta uma «questão central» não apenas para a discussão do Orçamento do Estado como também para a discussão da própria modernização do Estado.
«Para haver um Estado moderno os seus trabalhadores têm de ser valorizados e reconhecidos. Tem de haver respeito pelos seus direitos, os seus salários têm de ser valorizados, os seus horários de trabalho têm de ser definidos com dignidade e respeito pela conciliação com a vida familiar e pessoal», sublinhou Jerónimo de Sousa, que deu ainda uma particular ênfase à necessidade de «haver condições de progressão nas carreiras e de valorização profissional».
À sua atenção não escapou também a precariedade, esse flagelo que classificou de «drama» e que atinge milhares de trabalhadores com vínculo precário na Administração Pública, com contratos de emprego-inserção, contratos individuais de trabalho ou outras formas de contratação que «não asseguram um vínculo com estabilidade correspondente às tarefas e funções que desempenham».
E por estar ciente de que «uma boa parte dos problemas com que o Estado hoje se confronta tem a ver com o desrespeito do anterior governo PSD/CDS pelos direitos dos trabalhadores da Administração Pública», questionou o primeiro-ministro sobre a resposta que este pensa dar às legítimas preocupações por aqueles reiteradamente expostas.
Repor o que foi tirado
«Não há Estado moderno sem administração pública qualificada e não há administração pública qualificada sem trabalhadores qualificados e motivados», respondeu António Costa, falando da visão que tem sobre a valorização dos trabalhadores da administração pública. Defendeu para isso que é «fundamental repor os vencimentos e dar tranquilidade aos trabalhadores de que estes são mantidos».
E considerou «extraordinário» que PSD e CDS se «alvoracem» tanto com esta questão, «como se tivesse a ser dado alguma coisa aos funcionário públicos que não fosse só repor aquilo que já era dos funcionários públicos».
O primeiro-ministro disse ainda que a valorização dos funcionários não é só uma questão de vencimento. «É uma questão que tem a ver com o seu horário – e daí a importância da reposição das 35 horas –, com a forma como a administração se organiza, se recompõe os seus centros de competência», asseverou.
E condenou «algo de muito negativo» ocorrido no Estado ao longo dos últimos anos – «e não só no último governo», reconheceu –, que foi a «descapitalização do Estado de técnicos qualificados». Prometeu por isso que será uma «prioridade» do seu Governo a «contratação de quadros qualificados» para o Estado, que possam ser agregados em «centros de competências», por forma a assegurar por exemplo que o Estado disponha de um «centro de competência jurídico» que lhe assegure «um nível de consultadoria elevado que não o obrigue sistematicamente a ter de andar a contratar os grandes escritórios da advocacia e poder ter os recursos próprio no Estado de modo a poder defender o interesse público».
Por uma política fiscal justa
Retomada no debate quinzenal por Jerónimo de Sousa foi a questão da fuga ao fisco dos contribuintes mais ricos entre os ricos (com rendimentos anuais superiores a cinco milhões de euros e/ou património superior a 25 milhões de euros), tema que a bancada comunista colocara já no centro do debate parlamentar em declaração política há 15 dias (ver Avante! da semana transacta).
Em causa está o facto de esses contribuintes não pagarem os impostos devidos, ou seja, estarem a furtar-se às suas obrigações fiscais, sonegando ao Estado e à comunidade um valor estimado na casa dos três mil milhões de euros anuais em sede de IRS.
São para já 240 as pessoas que, em 2014, pagaram em sede de IRS apenas 48 milhões de euros – «um valor verdadeiramente insignificante, tendo em conta os elevadíssimos rendimentos e património destas pessoas», observou o líder comunista –, sendo que o verdadeiro universo desses milionários que foge aos impostos rondará o milhar, a que corresponderão os referidos três mil milhões de euros que nunca chegam a entrar nos cofres do Estado.
Uma realidade chocante que contrasta com a que é sentida por aqueles que «vivem dos rendimentos do seu trabalho e pelos pequenos e médios empresários», realçou Jerónimo de Sousa, que quis saber por isso quais as medidas que o Executivo pensa adoptar para pôr fim ao que classificou de «escândalo».
Uma coisa sabe antecipadamente o líder do PCP: à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) faltam meios e instrumentos que lhe permitam o combate à fuga e evasão fiscais desses contribuintes mais ricos, como ao País falta uma «nova e alternativa política fiscal, mais justa e mais adequada» às suas necessidades.
Na resposta, António Costa informou que a AT dispõe já de «informação agregada importante» sobre os grandes contribuintes, recolha essa que «deve prosseguir».
E concordou ser esta uma «questão central», no quadro da reforma fiscal a tratar este ano, para assegurar a justiça fiscal. «Não podemos continuar a ter um sistema fiscal que é sustentado por uma classe média cada vez mais esmagada pelo peso dos recursos que lhe são tributados, deixando os grandes rendimentos que deviam ser mais tributados livres de qualquer tributação», sublinhou, mostrando-se convicto de que essa é das situações que «mais agrava a injustiça fiscal».
Compromissos
Abordando a dimensão da precariedade, para a qual fora desafiado a pronunciar-se em concreto por Jerónimo de Sousa, o primeiro-ministro afirmou que o compromisso do programa do Governo «é muito claro ao defender a necessidade de pôr fim à utilização de contratações temporárias para funções que justificam a existência de um posto de trabalho efectivo». E adiantou que o «Estado tem de dar o exemplo, tem de ter grande acção junto do abuso que existe no sector privado quanto aos instrumentos de precariedade – e a melhor forma de o fazer é começar ele próprio por dar o exemplo e ser exemplar nessa matéria».
Recordado por si foi também o compromisso de «retomar o processo» de descongelamento de promoções e progressão nas carreiras, depois da reposição dos vencimentos, a partir de 2018.
A valorização da contratação colectiva no seio da administração pública é particularmente relevante, referiu ainda António Costa, dando como exemplo dessa necessidade a reposição do novo horário das 35 horas.