No que deu a desregulação
O relatório anual sobre a actividade da Inspecção do Trabalho revela dados que «são apenas a ponta do icebergue», mas confirmam os graves efeitos das sucessivas alterações da legislação laboral, comentou a CGTP-IN.
Muitas infracções denunciadas pelos sindicatos ficaram sem resposta
Das consequências que o relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho reflecte em números, relativamente ao ano de 2014 e por comparação com o ano anterior, a confederação destacou, num comunicado de dia 21, «a degradação da qualidade do emprego, aos mais diversos níveis, e a acentuação da exploração, das desigualdades e do empobrecimento».
Como «exemplos da desregulação das relações de trabalho», a Intersindical aponta:
– o aumento, em 200 por cento, dos contratos de trabalho dissimulados (onde se incluem o falso trabalho independente e os falsos estágios),
– o aumento, em 34 por cento, do trabalho não declarado,
– e a persistência de ilegalidades na celebração de contratos a termo e na utilização de trabalho temporário.
A Inter assinala ainda que os inspectores de trabalho verificaram inúmeras infracções noutros campos. Não declaração de trabalhadores à Segurança Social (quando da admissão), duração e organização do tempo de trabalho, trabalho suplementar, pagamento da retribuição, cumprimento de direitos consagrados na regulamentação colectiva de trabalho, a igualdade e não discriminação, os direitos de parentalidade, as condições de condução e repouso dos trabalhadores rodoviários são, para a CGTP-IN, os casos mais significativos.
Também foram detectadas muitas infracções à legislação sobre Segurança e Saúde no Trabalho (nomeadamente, quanto a vigilância da saúde, existência e funcionamento de serviços de SST, ausência de seguros de acidentes de trabalho).
Foram apuradas dívidas de empresas que somam mais de 20 milhões de euros, dos quais são credores mais de 15 mil trabalhadores, enquanto à Segurança Social estão por pagar 4,4 milhões de euros de contribuições.
Os meios e as leis
A CGTP-IN ressalva que «estes dados são apenas a ponta do icebergue», pois «referem-se somente aos casos detectados pelos inspectores de trabalho nas suas visitas às empresas». Ficaram de fora «muitas outras situações de incumprimento que, apesar de serem denunciadas atempadamente pelos sindicatos da CGTP-IN à ACT, continuam sem resposta».
«A ACT tem cada vez menos meios para desenvolver a sua actividade», reafirma a Inter, lembrando que o número de inspectores (agora 308) diminuiu 20 por cento, desde 2010, agravando o défice que já se verificava anteriormente, face às necessidades inspectivas. O número de visitas (acções de inspecção) caiu para menos de metade, face a 2010, e o pessoal abrangido por essas intervenções representa agora menos de 10 por cento dos trabalhadores por conta de outrem.
Mas o mal não está só nesta insuficiência de meios, alerta a Inter, recordando que as alterações à legislação laboral – levadas a cabo «nos últimos anos, em conluio com o patronato e a UGT» – reduziram a autonomia e a independência da ACT e os deveres de informação a que as entidades empregadoras estão obrigadas.
E «já em 2015, também por acordo entre o Governo PSD/CDS, as confederações patronais e a UGT», ocorreu uma nova modificação «que pode fazer aumentar ainda mais o trabalho não declarado»: foi alargada para qualquer sector de actividade a isenção do dever de informação das empresas ao Fundo de Compensação do Trabalho, quando da admissão de novos trabalhadores, se os contratos de trabalho não ultrapassarem dois meses. Até aí, apenas os contratos de muita curta duração (até 15 dias), nas actividades agrícolas ou turísticas, estavam isentos deste dever.
Respostas concretas
A divulgação do relatório levou a CGTP-IN a defender, mais uma vez, que «é preciso pôr termo a esta política» e encetar um rumo que tenha por objectivo «valorizar o trabalho e dignificar os trabalhadores».
As reivindicações e propostas da Inter são explanadas em sete pontos:
– no Código do Trabalho e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas é preciso revogar as normas que reduziram gravemente os direitos dos trabalhadores, tal como é necessário aplicar as convenções colectivas de trabalho, mais favoráveis que a lei geral;
– há que combater a precariedade do emprego nos locais de trabalho, exigindo que trabalhadores com contratos de trabalho precários ou falsos recibos verdes, colocados em postos de trabalho de natureza permanente, passem a efectivos, e impedindo a contratação, para aqueles postos de trabalho, de trabalhadores a termo ou através de agências de trabalho temporário;
– deve ser regularizado o emprego dos trabalhadores detectados em situação de trabalho não declarado ou subdeclarado;
– os direitos consagrados devem ser cumpridos, o que implica adoptar medidas e atribuir meios que melhorem o funcionamento da ACT e da Justiça do Trabalho;
– o regime das sanções laborais deve prever um maior número de contra-ordenações graves e muito graves, quando estão em causa direitos fundamentais dos trabalhadores (elevando para o dobro o valor máximo da coima por trabalho ilegal ou não declarado) e, nos casos de contra-ordenação muito grave, devem também ser aplicadas sanções acessórias (negando o acesso das empresas infractoras a concursos públicos e subsídios ou subvenções durante um dado prazo);
– as «medidas activas de emprego» no sector privado e na Administração Pública (com destaque para os estágios e os contratos emprego-inserção) devem ser fiscalizadas pelo IEFP e pela ACT, de forma a impedir que sirvam para substituir postos de trabalho e precarizar o emprego, e os desempregados nessa situação devem ser admitidos como trabalhadores;
– para uma efectiva melhoria geral das condições de Segurança e Saúde no Trabalho, exige-se medidas urgentes e aumento dos meios da ACT e da Justiça do Trabalho.