Auditório 1.º de Maio

Volta ao mundo em três dias

Domingos Mealha,
Miguel Inácio
e Miguel Silva
(texto)

À entrada do Auditório 1.º de Maio, junto ao lago, lia-se: «PCP, liberdade, democracia, socialismo. Um projecto de futuro». O programa do espaço ultrapassou todas as expectativas, cumprindo uma diversificação musical sem paralelo. 

Sexta

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Da República Popular da China veio um grupo de artistas da Mongólia Interior, apresentado como património imaterial e internacional. Vestidos a rigor com diferentes trajes, mostraram a sua milenar cultura através de complexas manifestações artísticas: duetos, solos femininos e masculinos, dança e interpretação de instrumentos musicais típicos daquela região. Contaram histórias do outro lado do mundo. «Isto é muito psicadélico», ouviu-se entre a multidão, que dali não arredou pé.Este espectáculo voltou a abrir o programa, no sábado e no domingo, e mostrou-se ainda no Avanteatro e no Palco Solidariedade do Espaço Internacional. 

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Jon Luz, de Cabo Verde, fez-se acompanhar de instrumentos sonantes (acordeão, cavaquinho, guitarra, baixo, bateria, percussões), interpretados por músicos brilhantes. O funaná foi rei, sem esquecer outros ritmos, igualmente quentes e sensuais, da América do Sul. «É um prazer enorme estar aqui. Avante, camaradas!», afirmou Jon Luz.

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Eneida Marta prestou um verdadeiro tributo à música da Guiné-Bissau. Apresentou «Nha Sunhu», onde se inclui «África Tabanka Povo», tema que dedicou a todo o povo africano. «Vocês são um público fantástico», despediu-se, deixando um «muito obrigado».

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A primeira noite terminou com Tabanka Djaz e Danny Silva, que se fizeram acompanhar por uma verdadeira big band de imensa qualidade. Sons quentes numa noite gelada, onde não faltaram «Branco velho, tinto e jeropiga» e «Crioula de São Bento», mas também «Foi assim» e «Depois do silêncio». 

Sábado

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Terrakota prometeu uma viagem pelo mundo e cumpriu, mantendo o reggae como espinha dorsal da actuação. A mutiplicidade de instrumentos, ritmos e sonoridades, numa festa inebriante e ininterrupta, resultou num espectáculo cheio de movimento e cor, com dança à medida de cada tema. Gritaram «Avante, camaradas!», a anteceder «É Verdade», e já ninguém parou de saltar, no palco e na plateia.

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Jorge Moniz Quarteto apresentou composições marcadamente jazzísticas, alimentadas por influências como o rock, drum & bass e música popular portuguesa. Alternou ritmos bem fortes, até limiarmente pesados, com a melancolia, por exemplo, de «Neblina». Encerrou com uma versão de um tema de Fausto, da autoria de Jorge Moniz e Mário Delgado, guitarrista do quarteto que, noutros projectos, voltaria por mais duas vezes ao palco neste dia.

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Tribute to Pete Seeger, homenagem belga ao grande cantor e autor norte-americano, foi mesmo um forte chamamento. Ao som dos instrumentos acústicos que distinguem o folk, como o contrabaixo, as guitarras e o incontornável banjo, o espectáculo foi, do princípio ao fim, uma comunhão de vozes que extravasou o palco. A partir de «Sticking to the union», tudo foi cantado por todos e, acrescente-se, com punhos erguidos, culminando no marcante «We shall overcome».

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Aos poucos, o som de Sensi foi puxando mais e mais gente. Hip-hop e funk bem carregados marcaram um espectáculo muito forte. Na constante e enérgica comunicação com o público, Sensi solicitou saltos e calor e disse que «estamos todos ao mesmo: festa, liberdade», sendo estes, aliás, temas recorrentes nas suas letras. Com «Eu quero», o músico lisboeta pôs, literalmente, toda a gente a dançar.

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Para Marta Hugon, actuar na Festa «é um bocadinho como estar de volta a casa, mas agora deste lado». Um auditório absolutamente embalado pela clareza das palavras cantadas, pela execução instrumental e pelos arranjos plenos de calor, quase contrastando com a enorme sobriedade dos músicos em palco (Filipe Melo, Bernardo Moreira, Mário Delgado e André Sousa Machado) recebeu uma voz plena de jazz, que teve uma incursão por Art Garfunkel e Paul Simon, com «Still crazy after all this years».

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Janita Salomé confirmou a sua popularidade entre os visitantes da Festa. Visitou obras de Hélia Correia, Herberto Hélder, José Jorge Letria e outros grandes poetas nacionais. Destacaram-se, além da magnífica voz e interpretação, os arranjos arrojados e quase sempre surpreendentes, com execução magistral. No final, Janita deixou entender que gostaria de continuar e o público mostrou-se também disposto a isso.

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Mimicat, autora e compositora de todos os temas do álbum de estreia «For you», mostrou uma voz enorme, quente e de poderoso registo. A secção de metais, com trombone de vara e trompete, em permanente movimento coreografado, realçou a forte inspiração na música norte-americana dos anos 1940-50. Carregada de sensualidade, Mimicat pôs o Auditório a cantar refrões, de ouvidos e olhos presos ao palco até ao fim, quando brindou a plateia com «Hit the Road Jack», de Ray Charles, tema generosamente retribuído.

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Ensemble Super Moderne trouxe ao palco o jazz em pleno. Num Auditório que continuava repleto, cada tema foi uma viagem, entre caos e ordem, por momentos melódicos de instrumentos e secções, entre experimentalismo e «conforto». Em desafio ao ouvido e cérebro, com improvisos e composições mais organizadas, houve lugar para o aviso de que «a próxima dá para dançar».

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Capicua deitou a casa abaixo. O Auditório e as laterais e traseiras exteriores encheram-se de público para, pelo menos, ouvir a rapper militante oriunda do Porto, que trouxe letras carregadas de teor social, batidas e instrumentais crus e duros a acompanhar palavras zangadas, sempre numa relação intensa com o público, ruidosa e estridentemente rendido, a saltar e dançar.

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No último concerto da noite, o ISGA Collective mostrou como reiventa para a contemporaneidade a música tradicional galega, sem abdicar das suas sonoridades típicas, designadamente na presença do violino e gaita de foles. A banda de Vigo e a sua vocalista Mónica de Nut encantaram e aqueceram. 

Domingo

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Sebastião Antunes & Quadrilha sabem que são presença estimada na Festa. «Ai caramba» garantiu à partida um Auditório cheio, a cantar e dançar até ao fim. A excepção foi uma homenagem a Mariem Hassan, cantora, autora e activista política do Saara Ocidental falecida recentemente, que há dois anos actuara neste espaço. Sebastião, sozinho em palco com a guitarra, dedicou-lhe «Traz outro amigo também». Outros amigos da música e da vida aceitaram o convite e fizeram também esta festa.

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O blues puro e duro teve com Serushiô a sua representação garantida. Foram «apenas» dois músicos em palco: Zé Vieira na guitarra e na percussão (bombo de bateria e pratos de choque), e Seru na guitarra e voz, forte e pungente. Os temas do duo oriundo do Porto, repletos de riffs fortes e contagiantes, com ocasionais slides nas guitarras e também com a menos reconhecida guitarra havaiana, foram atraindo mais e mais gente ao concerto. Ficou ainda o convite para uma sessão de autógrafos, umas horas depois, na Festa do Disco.

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Pedro Mestre não trouxe só temas de «Campaniça do Despique», editado no início deste ano pelo empenhado conservador e divulgador de tantas facetas do cante alentejano, que aos sons de sempre somou teclas, flauta, baixo, guitarra e percussão. A festa do Alentejo fez-se na tarde de domingo com «Os Camponeses de Pias», «Os Ganhões de Castro Verde» e «Os Almocreves da Amieira», que acompanharam Mestre e seus músicos e que tiveram também voz própria no palco. Com emoções ao rubro, o público aplaudiu, cantou e conseguiu o encore, deixando no ouvido «Alentejo é nossa terra».

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O Sexteto de Jazz de Lisboa, ressurgido após mais de trinta anos da sua formação, levou ao sunset de domingo os bons motivos que justificaram o reagrupamento para o ciclo «Histórias de Jazz em Portugal», em Maio, revisitando o álbum «Ao Encontro», editado em 1988. Sabendo que iria ouvir do melhor jazz que cá se faz, o público sentou-se no chão para receber com todas as honras Tomás Pimentel, Edgar Caramelo, Mário Laginha, Pedro Barreiros, Mário Barreiros e Ricardo Toscano.

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O seu altar de caveiras, encimado por um altifalante, foi estrela enquanto decorriam as afinações, tempo mais que suficiente para voltar a encher o Auditório e arredores, até à relva junto ao lago. Com os Dead Combo em cena, explodiu um pesado delírio de luz e ritmo. Tó Trips e Pedro Gonçalves fizeram o que bem sabem e o público correspondeu como exigem os seus acordes. Ao fim de pouco mais de doze anos, o duo teve na Festa pais e filhos a ouvir, a dançar, a curtir, subindo e acelerando faixa após faixa, até fechar com «Zorba, o Grego», tema explicitamente apontado à crise.

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António Chainho manobrou com toda a mestria a chave que lhe foi entregue para fechar a programação deste ano no Auditório. As «Cumplicidades» em que assenta a celebração dos seus 50 anos de carreiras, cumpridos em Janeiro, fizeram a guitarra portuguesa ter por companhia, para além da viola de fado, uma dupla de percussão que pôde brilhar em solos. Aliás, à guitarra-rainha coube abrir, entre instrumentais e variações, espaço nobre aos seus convidados desta noite única: Filipa Pais, o trompetista Raul d’Oliveira, o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, Hélder Moutinho, Paulo de Carvalho e Ana Bacalhau.

 



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