Cuba/EUA

Luís Carapinha

Reatamento diplomático não equivale à normalização das relações

Mais de meio século depois de os EUA terem rompido as relações diplomáticas com Cuba, a bandeira cubana voltou a ser içada na embaixada em Washington. No mesmo dia, 20 de Julho, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Bruno Rodríguez, foi recebido por Kerry no Departamento de Estado. O restabelecimento das relações diplomáticas, recusado pelos sectores mais reaccionários nos EUA, é um novo marco nas relações entre os dois países. Representa, sobretudo, uma inflexão táctica na estratégia dos EUA contra Cuba. Foi o próprio Obama a reconhecer, na declaração de 17 de Dezembro, o fracasso da política de décadas dos EUA para anatemizar, isolar e derrubar a revolução cubana. Não se tratou de um reconhecimento do seu carácter imoral e terrorista mas, pragmaticamente, de que falhou nos seus objectivos subversivos fundamentais. 

Se tal aconteceu deve-se à extraordinária capacidade de direcção e resistência da revolução, ao seu rumo socialista, inseparáveis do carácter profundamente popular e patriótico do novo poder, triunfante a 1 de Janeiro de 1959. Factores que se sobrepuseram a todas as dificuldades e adversidades enfrentadas e às próprias deficiências e erros revelados no âmbito do processo de profundas transformações empreendido por Cuba.
O «recuo» da administração dos EUA corresponde a uma vitória de Cuba que cabe sublinhar. Vitória que ilumina a imensa superioridade moral da revolução e a dignidade do povo cubano. Que é simultaneamente uma vitória política da Ilha da Liberdade, dificilmente concebível fora do quadro de mudanças progressistas e revolucionárias alcançadas na América Latina ao longo de quase 20 anos – para as quais o exemplo e contributo solidário da revolução cubana foram fundamentais – e do elevado prestígio internacional granjeado por Cuba.
 

Retenha-se porém, como recentemente afirmou Raúl Castro, que «está em prática uma ofensiva imperialista e oligárquica contra os processos revolucionários e progressistas latino-americanos, que será enfrentada com determinação pelos nossos povos» (Cubadebate, 15.07.2015).
O bloqueio imposto pelo imperialismo norte-americano contra Cuba em 1962 continua vigente, apesar da adopção de medidas de alívio de alcance limitado. Como tem sido reiteradamente sublinhado por Havana, o reatamento diplomático não equivale à normalização das relações, só possível com o levantamento integral do bloqueio, a devolução do território ilegalmente ocupado pela base de Guantánamo, o pleno respeito da soberania de Cuba e a indemnização do povo cubano pelos danos acumulados em resultado da política criminosa dos EUA.
Certamente o imperialismo não abrirá mão de objectivos centrais que visam destruir a revolução cubana e enfraquecer e reverter os processos emancipadores na América Latina, que são parte do processo mais vasto da rearrumação de forças no mundo, estacando a corrente de alteração da correlação de forças desfavorável à sua hegemonia. Ao decidir flectir a manobra subversiva de embate frontal com Cuba, a Casa Branca vê uma janela de oportunidade em lograr uma mudança a «partir de dentro», tendo presente o quadro decorrente da complexa actualização do modelo económico em curso, coincidente com o gradual passar de testemunho na liderança da revolução.
 

O poder imperial tende a subestimar a consciência patriótica e a capacidade de coesão do povo cubano e sua vanguarda política. Cuba mudou radicalmente. Os tempos do governo títere do ditador Batista não voltam. Ciente da natureza do adversário, um poder revolucionário tem o dever acrescido de utilizar qualquer brecha para defender a paz, os princípios de coexistência pacífica e procurar aproveitar a via de soluções negociadas, mutuamente vantajosas. É com esta perspectiva que Cuba prossegue o processo de actualização económica e social, crucial para avançar na construção de um «socialismo próspero e sustentável» e a defesa da independência, à qual gerações de revolucionários cubanos entregaram a vida.

 



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