A fraude e evasão fiscal
Nos últimos tempos, os paraísos fiscais e a fraude fiscal estão no centro da actualidade mediática. Há muito que o PCP tem intervenção sobre esta matéria, com denúncia e propostas consequentes visando o combate a esta praga que tantos milhões dá a ganhar aos grandes grupos económicos, privando o Estado de importantes recursos financeiros. Mas como acontece sempre nestas coisas, são os escândalos mediáticos que acabam por determinar as agendas políticas, empurrando os governos e as instituições a agirem, ou fingirem que agem, contra as políticas que eles mesmo praticaram durante décadas.
Desta vez, o escândalo veio do Luxemburgo, com o chamado «LuxLeaks». A partir de uma fuga de informação feita por um colaborador da empresa de consultadoria Price water house Coopers (PwC, uma das quatro maiores empresas do ramo), entretanto despedido, foram divulgados 548 acordos fiscais entre o governo do Luxemburgo e 343 empresas multinacionais, entre as quais reconhecemos nomes sonantes com a McDonalds, Apple, Google, Disney e muitas outras (a lista pode ser consultada na Internet). Ficamos assim a saber que, em função destes acordos, que são negociados directamente entre as empresas e as autoridades fiscais com a intermediação de empresas de consultadorias, as empresas acabam por beneficiar de taxas de impostos efectivas que rondam apenas um por cento, e menos que isto em alguns casos.
Numa fase em que a dimensão da fraude era ainda desconhecida, Juncker, actual presidente da Comissão Europeia, e primeiro-ministro daquele país de 1995 a 2013, apressou-se a dizer que nunca deu nenhuma instrução às autoridades fiscais para criar estes mecanismos. Mais tarde, corrigindo o tiro, acabou por dizer que estas práticas eram absolutamente legais. Infelizmente a história ensina-nos que a legalidade representa um conceito muito relativo, sobretudo em função de quem produz a legislação que determina o que é ou não legal. Certo é que bastou esgravatar um pouco o assunto para se perceber que Juncker tinha razão num ponto. A prática destes acordos fiscais está mais ou menos generalizada na União Europeia, tendo até à data sido identificados 22 países onde, à semelhança do que acontece há décadas no Luxemburgo, as multinacionais reúnem directamente com os governos, obtendo destes todas as benesses fiscais que são negadas aos cidadãos e à generalidade das pequenas e médias empresas.
Na sequência deste e de outros escândalos seguiram-se várias iniciativas políticas que revelam o actual quadro político que domina a União Europeia. Perante a óbvia trapalhice do presidente da Comissão Europeia, e as suas responsabilidades neste escândalo que afronta todos os seus hipócritas discursos sobre justiça social, o PCP tentou, juntamente com outras forças do GUE/NGL, apresentar uma moção de censura que acabou boicotada pelos verdes e pelos socialistas. Apesar das várias manobras de diversão emanadas dos grupos Socialista e Popular, entre outros, foi possível impor a criação de uma Comissão Especial para investigar estes acordos fiscais. O PCP ficou com a coordenação do GUE/NGL para esta comissão, cujo período de vigência foi fixado em apenas seis meses.
Nas várias reuniões já realizadas ficou bem patente as enormes resistências que iremos encontrar por parte da maioria dos deputados afectos à direita e à social-democracia. Acentua-se o debate técnico entre o que é legal e não legal, ou sobre o que é «moralmente aceitável». Numa clara fuga para a frente, o presidente da Comissão já veio dizer que temos que deixar o passado e olhar para o futuro. A definição de paraíso fiscal e as listas que existem ilustram bem onde nos levam estes debates. Os critérios que determinam a classificação de um determinado território como paraíso fiscal baseia-se normalmente na observação, entre outros aspectos, do carácter não residente de grande parte da actividade económica registada, da flexível e pouco transparente pauta fiscal e da desproporção do (pouco ou nada regulado) sistema financeiro face às necessidades de financiamento da economia doméstica. A lista publicada pela OCDE em 2009 contém então três grupos de países. Na lista negra, estavam apenas quatro (?!) países que merecem ser referidos: Costa Rica, Malásia, Uruguai e Filipinas. Numa segunda lista dita cinzenta estavam 38 países que, enfim, não eram lá muito transparentes mas tinham assinado um compromisso para cumprir as regras internacionais e os códigos de boa conduta. Numa terceira lista, dita branca, estavam os bons alunos, entre os quais, notem, as ilhas Seicheles, a Irlanda, os Barbados e as ilhas Jersey!
Não sabemos até onde nos levará esta Comissão que aprovou já um conjunto de audições, visitas e pesquisas documentais, mas não alimentamos grandes expectativas relativamente aquilo que seria essencial: contribuir para uma solução real para este e outros escândalos, pondo fim e proibindo os paraísos fiscais. Para já mostrou fortes reservas relativamente à nossa pretensão de ouvir o presidente Juncker. Pela nossa parte, procuraremos que a mesma sirva para denunciar mais uma prova do comprometimento da União Europeia com os interesses do grande capital. É sintomático que, enquanto se assiste a uma corrida entre o parlamento e a Comissão para ver quem é mais lesto em apresentar pacotes legislativos inconsequentes, nada seja referido em defesa de Antoine Deltour, ex-empregado da PwC, que denunciou estes escândalos e que se arrisca a uma pena de prisão e a uma pesada multa.