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Mascarar o desemprego sem o resolver

O PCP criticou duramente o programa de estágios para desempregados de longa duração, acusando o Governo de pretender por esta via substituir emprego com direitos por emprego precário, reduzir salários, mascarar as estatísticas do desemprego.

O Governo subsidia as empresas com o dinheiros dos contribuintes

Em causa o programa anunciado pelo Executivo na passada semana, para os desempregados com mais de 31 anos e inscritos no centro de emprego há pelo menos 12 meses, nunca antes envolvidos noutros programas de estágios do IEFP, os quais terão direito a uma «bolsa» de 419 a 692 euros e, eventualmente, subsídio de alimentação e seguro de acidente de trabalho.

Sem direito ao «vínculo à empresa» onde irão trabalhar, nem direito ao «salário justo a que têm direito», tais «estagiários» têm no entanto acesso à referida «bolsa», cuja particularidade é ser paga não pela entidade patronal, mas «quase na totalidade pela Segurança Social. Ou seja, a «bolsa» é paga pelos impostos e descontos dos trabalhadores, incluindo dos próprios "estagiários"», denunciou a deputada comunista Rita Rato na declaração política que proferiu, dia 14, na AR, em nome do Grupo Parlamentar do PCP. 

Falsa solução

 

Trata-se assim de um programa «desenhado à medida das preocupações eleitorais do PSD e do CDS-PP», na perspectiva da deputada comunista, que não vê com bons olhos que as empresas, «em vez de garantirem postos de trabalho dignos, beneficiem de trabalho quase de borla, pago pelo Estado».

«Têm de se sujeitar a uma «prestação de trabalho em condições humilhantes e, passados seis e nove meses, os estagiários voltam ao desemprego», lamentou, em tom indignado, Rita Rato, para quem este expediente do Governo é também uma forma de «abater convenientemente os desempregados aos números do desemprego», e assim «poder publicitar o sucesso das suas políticas».

Ora a verdade é que um terço do emprego por conta de outrem criado no terceiro trimestre de 2014 corresponde a estágios profissionais, lembrou, citando dados do Banco de Portugal, no que é uma demonstração clara de como esta é uma «falsa solução» para o problema do desemprego.

Rita Rato pôs aliás em causa a afirmação do Governo de que a taxa de contratação sem termo, após a realização de um estágio, seja de 70 por cento. É que apesar dos pedidos reiterados ao Governo desde Novembro, tais dados nunca foram facultados à sua bancada, nem sequer dada qualquer resposta. Daí ter concluído que tudo não passa de «propaganda e demagogia, sem nenhuma base de verdade».

Argumentou o PSD, pela voz da deputada Maria das Mercês Borges, que é preferível um estágio ao desemprego, e que este é uma «oportunidade para as pessoas que estão inactivas voltarem ao mercado de trabalho, terem experiência em contexto de trabalho, adquirirem novas competências».

«O que o Governo está a fazer é financiar as empresas para estas terem trabalhadores à borla», ripostou a parlamentar comunista, recusando que a opção esteja entre o «mau e o péssimo», como insiste em apresentar o Governo e a maioria PSD/CDS-PP, como se não houvesse alternativa.

«A alternativa ao desemprego não é o carrocel da precariedade, não é o contrato emprego-inserção, é um contrato de trabalho, o emprego com direitos, um salário justo», reforçou Rita Rato.

De que lado está o PS?

Concordando com o deputado do PS Nuno Sá sobre a inadequação do modelo dos estágios – «o modelo de emprego para o PS não é o de estágio atrás de estágio», disse este –, Rita Rato não deixou todavia de anotar que tal avaliação, no caso do PCP, não é de hoje, mas de sempre. E é-o pela razão simples de que sempre entendeu – e o PS não pode dizer o mesmo – que o recurso a estágios para suprir necessidades permanentes dos serviços da administração pública e das empresas do sector privado é um «recurso ilegal à precariedade e tem por base a desvalorização do trabalho».

Rita Rato fez ainda questão de deixar bem vincado o facto de o deputado do PS ter tido oportunidade de se pronunciar sobre as propostas concretas do PCP (ver caixa), mas ter passado ao lado. O que é pena, lamentou, uma vez que teria ajudado a clarificar posições e a saber «quem está de facto apostado no combate ao desemprego e à precariedade e quem instrumentaliza o desemprego para agravar a exploração».

Ora o que a vida tem mostrado é que o PS, o PSD e o CDS-PP, «nos momentos chaves em que a AR foi chamada a decidir sobre matérias relativas à conversão dos contratos emprego-inserção (quando se trata de postos de trabalho permanentes, do combate aos falsos recibos verdes e às situações de falso trabalho independente, ou de limitar no Código do Trabalho a contratação a prazo), infelizmente, o PS não caiu para o lado da esquerda, caiu para o lado da direita», lamentou a parlamentar do PCP, que disse aguardar para saber qual será no futuro próximo a opção daquele partido no combate à precariedade. Porque de duas, uma: «ou se está do lado do patronato ou do lado dos trabalhadores».

Dar força ao combate

É sabido que a precariedade do emprego é sinónimo de precariedade da família e instabilidade da vida, significa protelar projectos, ver adiada a concretização de sonhos. Mas é também a «precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho», como bem salientou Rita Rato.

Daí que o combate à precariedade seja indissociável do próprio combate ao desemprego. Assim o entende o PCP e por isso este é um combate seu, no quadro do qual tem repetidamente apresentado propostas e soluções.

Algumas delas foram recordadas pela parlamentar comunista, como é a de garantir em lei – e consequente aplicação –, o princípio de que a um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo efectivo de trabalho.

A definição de um plano nacional de combate à precariedade na administração pública e no sector privado é outra medida pela qual o PCP tem batalhado, tal como é a proposta de conversão de todos os estágios profissionais, contratos de emprego-inserção e falsos recibos verdes em contratos efectivos.

Ver a Autoridade para as Condições de Trabalho reforçada na sua capacidade inspectiva e punitiva constitui outro ponto almejado pelo PCP, que tem defendido também a «criminalização do recurso a falsos recibos verdes, e a inversão do ónus da prova na conversão deste tipo de contratos em contratação efectiva».

Não menos importante, para o PCP, é igualmente a inserção no Código do Trabalho de normas orientadas para combater o abuso à contratação a prazo como meio para suprir necessidades permanentes.




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