Supervisão falha em toda a linha
Concluída a primeira ronda de seis audições no âmbito da comissão de inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, é possível dizer desde já que o «sistema de supervisão financeira é um embuste».
Está em curso operação para tentar salvar a face do Governo
Lusa
A essa conclusão chegou o Grupo Parlamentar do PCP tendo por base a constatação de que a supervisão, no caso vertente, «preferiu omitir da Assembleia da República e do País os problemas e fraudes realizados no sistema financeiro do que denunciá-los e impedi-los».
Já possível de concluir é também a existência de uma «gestão política do processo» destinada a tentar «salvar a reputação do Governo», considerou o deputado comunista Miguel Tiago, sexta-feira passada, 21, na conferência de imprensa onde tornou público o balanço da sua bancada às audições já efectuadas até ao momento, entre as quais se incluem a da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, a do presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Carlos Tavares, e a do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Desse conjunto de audições, segundo o deputado do PCP, emergem «elementos claros que reforçam as responsabilidades» de entidades como o BdP, a CMVM e o Governo.
Acordar tarde
No caso do banco central, fundamentou, isso é patente desde logo pela sua «muito tardia intervenção», bem como no apoio à «falsa ideia de solidez e robustez de um banco falido, nomeadamente através da ocultação dos actos junto da AR a pretexto da salvaguarda da estabilidade financeira». O papel que teve no desastroso processo de aumento de capital, a par da «incapacidade de intervenção concreta e eficaz, foram outros aspectos negativos identificados por Miguel Tiago, que apontou ainda o dedo ao Banco de Portugal por se tornar num «conselheiro do BES ao invés de supervisor» e pela sua «cedência constante» às pressões da administração do BES.
Já sobre a CMVM, o enfoque da crítica comunista vai em primeiro lugar para o aval que foi dado ao prospecto de aumento de capital, com isso «criando a ilusão de que a informação era suficiente para compreender a situação real do BES». A falta de uma actuação «determinada» que bloqueasse a transacção de acções do BES após a declaração dos prejuízos do segundo trimestre de 2014 é outra das críticas do PCP, que acusa ainda a CMVM de «insuficiente acompanhamento e intervenção para limitação da exposição do maior Fundo Mobiliário do GES», bem como de «permissividade ante a venda de papel comercial da Rioforte e ESI na rede de retalho».
Aliança espúria
À crítica severa da bancada comunista não escapa também o Instituto de Seguros de Portugal, cujo presidente foi já ouvido na comissão, pelo «acompanhamento praticamente inexistente» daquela entidade ao processo de utilização de uma companhia de seguros (com uma fatia de mercado de oito por cento) como garantia para uma provisão junto do Banco de Portugal.
No que respeita aos sucessivos governos PS, PSD e CDS-PP, as suas responsabilidades são igualmente claras em face da opção assumida no sentido da «reconstituição e crescimento» de um grupo económico que se constituiu num verdadeiro império e que, «só pela sua dimensão, ameaça a estabilidade económica e financeira do País».
Verberado por Miguel Tiago, ainda neste plano, foi a «aliança velada» entre esses governos e este grupo monopolista, «através da sua participação privilegiada nos processos de desmantelamento e privatização de empresas e sectores dos serviços públicos». A ausência de uma «intervenção política atempada», face às evidências de «governo fraudulento», merece ainda a condenação firme do PCP.
Inércia cúmplice
Muito mal na fotografia deste caso que abalou o sistema financeiro fica também a ministra das Finanças. Revelou-se incapaz de «avaliar os efeitos do colapso» de um grupo como o GES junto do BES e do sistema financeiro, anotou Miguel Tiago, que deixou ainda registado como elemento negativo o facto de a titular da pasta ter recusado a intervenção do Estado na economia «mesmo nos momentos em que essa intervenção se mostrou absolutamente indispensável para salvaguardar o interesse nacional, a produção e os postos de trabalho».
O parlamentar comunista não deixou de condenar, por outro lado, a atitude imobilista de Maria Luís Albuquerque ao não recorrer aos meios de que dispunha para «aprofundar o conhecimento sobre os problemas do BES», tal como foi merecedor de crítica a confiança e aval público que deu, perante a AR, às indicações do Banco de Portugal, apesar de se saber que a informação por este obtida se «baseava apenas nas informações prestadas pelo BES e que poderia ser – como era – falsificada».
Alvo de crítica na actuação da ministra das Finanças foi também o «compromisso político» por si assumido com a «estabilidade e robustez» de um banco (tal como fez o Presidente da República), em relação ao qual a informação era tudo menos segura por se encontrar «contaminada desde a fonte».
Sem censura não passou, por último, a «gestão política do processo de resolução do BES e de criação do banco de transição», de que resultaria uma destruição em bolsa de mais de 65 por cento do seu valor em apenas 48 horas.
Apurar tudo!
A comissão de inquérito, criada por proposta do PCP, iniciou os seus trabalhos dia 17 de Novembro e terá um prazo de 120 dias, que pode eventualmente ser alargado. Tem por intuito «apurar as práticas da anterior gestão do BES, o papel dos auditores externos, as relações entre o BES e o conjunto de entidades integrantes do universo GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades».
Recorde-se que foi a 3 de Agosto que o Banco de Portugal tomou o controlo do BES, após a apresentação de prejuízos semestrais de 3,6 mil milhões de euros, tendo anunciado a separação da instituição em duas entidades: o chamado banco mau (um veículo que mantém o nome BES e que concentra os activos e passivos tóxicos do BES, assim como os accionistas) e o banco de transição, que passou a designar-se por Novo Banco.