Os sapatos

João Frazão

Abre a gente um qualquer jornal, económico ou generalista, sirva ele os interesses específicos que servir, dentro dos múltiplos apetites do capital, e vemos, dia sim dia não, notícias dos êxitos de certos sectores económicos, entre os quais o calçado ocupa um lugar cimeiro.

Crescimento da produção, das exportações, da produtividade. Crescimento no valor dos sapatos à saída da fábrica. Prémios internacionais. Empresas de sucesso. Empresários que deram a volta e têm hoje negócios nos quatro cantos do mundo.

Abre a gente esses jornais, assiste a reportagens de televisões, e damos connosco a pensar que tais êxitos ficarão a dever-se apenas às brilhantes qualidades e ao olho vivo de gestores e empresários.

Pode mesmo pensar-se que os sapatos que calçam os mais delicados pés da Europa e do Mundo aparecem já feitos, sem a intervenção dos homens e mulheres, operários do calçado, para pregar as gáspeas, colar as solas, cortar e cozer os couros.

Esta estória de sucesso é contada como se não houvesse gente no «torna que torna, larga que larga» das máquinas de corte, de costura, ou das prensas, e estas trabalhassem sozinhas, e não houvesse ninguém a aguentar o cheiro das colas, a embalar sapatos, ou, sequer, a emitir as notas de débito e as facturas respectivas.

Num esforço coordenado entre o Governo e o patronato, a que a comunicação social dá prestimoso contributo, o papel dos trabalhadores é sempre apagado, à excepção do pitoresco e colorido das batas azuis, amarelas, verdes, agarradas à máquina, a fazer de fundo à intervenção deste ou daquele dirigente patronal.

Esforço articulado de forma precisa, que tem como objectivo esconder a injustiça que significa que, enquanto se acumulam grandes lucros, na base do aumento extraordinário da produtividade, ou seja do que cada trabalhador produz, e da mais valia que introduz na produção, os salários se mantenham congelados há anos, ao nível do salário mínimo nacional, o que, em Portugal, significa empobrecer a trabalhar, num brutal aumento da exploração, ao mesmo tempo que se silencia a luta destes trabalhadores por aumentos de salários.

Governo, ao serviço do patronato, duas faces da mesma moeda, estão mesmo a pedir que alguém lhes meta no sapatinho mais luta que há-de conduzir à sua derrota.




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