«Tantas histórias, quantas perguntas»

Manuel Rodrigues

Todos os dias, as matracas do Governo nos massacram com doses letais de propaganda enganosa: que a crise impõe sacrifícios, que a austeridade é inevitável, que andámos a viver acima das nossas possibilidades... Enfim, uma ruidosa lengalenga em que se especializou o ministro da propaganda e os novos «aprendizes de feiticeiro». Nos últimos dias, o malabarismo foi de tal ordem, que o capital decidiu distribuir papéis, e, numa espécie de ópera bufa, pôr o Governo a falar a duas vozes: a Paulo Portas coube o papel de bom mensageiro e, entre gafes e lapsos, lá foi repetindo: que estamos a recuperar, que passámos na 11.ª avaliação da troika, que o País está a ressurgir das cinzas, que haverá uma saída limpa. A Passos Coelho, no seu ar mais empertigado, foi dado o papel de núncio da desgraça: que não podemos embandeirar em arco, que são precisos mais sacrifícios, que a austeridade ainda não acabou e que, se queremos saída limpa, é preciso mais um corte sujo nos salários.

A realidade dos factos, entretanto, mostra que, apesar de tantos sacrifícios para os trabalhadores e para o povo (responsáveis por três milhões de pobres, centenas de milhares de novos emigrantes, baixa alarmante da natalidade, etc., etc.) a dívida pública continuou a aumentar tendo crescido quatro mil milhões de euros no espaço de apenas um mês (dados do Banco de Portugal) e, ao mesmo tempo, segundo a especializada revista Forbes, no último ano, Américo Amorim viu a sua fortuna crescer para 3,85 mil milhões de euros, Belmiro de Azevedo, para 1,8 mil milhões de euros, sendo a fortuna de Soares dos Santos calculada em 2,04 mil milhões de euros. Ou seja, um total de cerca de 7,7 mil milhões de euros. Num só ano, a fortuna dos três senhores do grande capital subiu 1,4 mil milhões de euros.

Afinal, em que ficamos? Se há crise, para quem é? Se há retoma, quem a toma? Se há saída limpa, para quem fica a saída suja?

«Tantas histórias / quantas perguntas» – diria Brecht sobre tão fundamental contradição.

A uma enorme concentração da riqueza corresponde sempre um enorme alastramento da pobreza. Verdadeiro ciclo vicioso a que urge pôr termo, derrotando o Governo e esta política, que há 37 anos nos desgraça.




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