Estados Unidos da Desigualdade
Uma vez o bilionário Warren Buffet vaticinou o que poderia ter sido o epitáfio do fim do século passado: «se a luta de classes existisse mesmo, a minha classe ganhou». A marcha triunfal do capitalismo monopolista americano veio pôr fim, há cinquenta anos, a um momento histórico em que a alta burguesia norte-americana foi obrigada a recuos tácticos, corporizados pela «Guerra à Pobreza» do Presidente Lyndon B. Johnson. Sob a pressão interna da luta dos trabalhadores estado-unidenses e obrigado externamente a tentar competir com o campo socialista em direitos dos trabalhadores, o grande capital foi forçado a concessões como os direitos civis dos afro-americanos e a tolerância relativa da actividade sindical. No entanto, desde o final dos anos sessenta que o processo de reestruturação do capitalismo monopolista, a radicalização do imperialismo e uma poderosa ofensiva política neoliberal têm levado à destruição sistemática das conquistas da classe operária. Os resultados têm sido trágicos para o mundo, mas também para os EUA, onde o fosso de desigualdade que separa pobres e ricos volta a assumir a profundidade de uma vala comum.
Segundo um estudo da Pew Research agora divulgado, os EUA atingiram o maior nível de desigualdade desde 1928, com os patrões a obterem rendimentos 273 vezes superiores à média dos trabalhadores, e os rendimentos dos detentores dos meios de produção a crescerem mais de 10% por ano contra menos de 0.3% para os trabalhadores. Se em 1982, os 1% mais ricos detinham cerca de 11% da riqueza enquanto que os 90% mais pobres detinham 65%, actualmente, 1% dos estado-unidenses controlam 23% da riqueza, e a 90% da população cabe menos de 50% da mesma. Estatísticas da Oxfam esmiúçam melhor a monstruosidade destes números: os 30 homens mais ricos dos EUA são tão ricos como 150 milhões de americanos, metade da população.
Segundo outro estudo do Institute for Policy Studies, a desigualdade mantém o seu carácter racista: a população afro-americana corresponde hoje a 13% da população mas continua a deter um míseros 2.7% da riqueza total. De acordo com outras estatísticas divulgadas em Janeiro pelo National Center for Education Statistics, entre 2001 e 2011 a desigualdade atingiu as crianças com especial gravidade, mergulhando na pobreza metade de todos os alunos americanos em escolas públicas. Já o Public Interest Research Group aponta entre as causas da crescente desigualdade a transferência para os bolsos das classes trabalhadoras da carga fiscal dispensada ao grande capital: cerca de 90 mil milhões de dólares que empresas como a Pfizer, a Microsoft ou a Citigroup simplesmente não têm que pagar.
Sem fronteiras
As monstruosas desigualdades sociais nos EUA não respeitam fronteiras estaduais. Ao longo das últimas três décadas, a desigualdade de rendimentos cresceu em todos os 50 Estados: sempre que se registou um crescimento dos rendimentos, os 1% mais ricos beneficiaram de metade desse crescimento e os restantes 99% distribuíram entre si a metade restante. Em quatro estados, apenas os 1% mais ricos conheceram esse aumento de rendimentos enquanto que os restantes 99% empobreceram. Em 15 outros estados, os 1% mais ricos beneficiaram de 84% do enriquecimento total.
O crescimento da desigualdade social nos EUA não é, ao contrário do que pretende Obama que dedicou ao tema o seu discurso do Estado da União, a consequência de qualquer falha técnica no sistema capitalista nem um problema que possa ser resolvido com boa vontade e doses generosas de humanismo. Nos EUA como em todo o mundo capitalista, a desigualdade não é um problema de distribuição mas a consequência de uma forma específica de produção, pelo que só pode ser ultrapassada por uma força política de classe que identifique a propriedade dos meios de produção e a questão do poder como eixos fundamentais da actividade política.
Warren Buffet tinha razão sobre uma coisa: a luta de classes existe mesmo. Mas a sua classe não venceu a luta e a história não acabou, nem poderá acabar enquanto a exploração seja norma e a injustiça for regra.