Um negócio que respira saúde

Vasco Cardoso

Em versão mais pindérica do que o cenário montado em Wall Street sempre que uma nova empresa dá entrada na mais importante bolsa de valores dos EUA, esta semana uma cerimónia idêntica teve lugar em Lisboa. Tocou-se o sino, bateu-se palmas, abriu-se garrafas de champanhe, deu-se abraços e entrevistas para assinalar a entrada em bolsa da Espírito Santo Saúde, empresa do Grupo do dito banqueiro e que é a primeira do sector da saúde a entrar no mercado de capitais em Portugal.

Risco? Nem pensar. Este é um negócio garantido!

O processo de destruição do serviço nacional de saúde está em marcha acelerada: prossegue o encerramento de extensões e centros de saúde e também de hospitais; milhões de utentes não têm neste momento médico de família; por todo o lado faltam profissionais, médicos e enfermeiros, mas também pensos, seringas, fraldas, camas, medicamentos e equipamentos dos mais diversos; os tempos de espera aumentam brutalmente com urgências a atingirem 15 e 16 horas de espera, já para não falar nos meses que é preciso aguardar por consultas e até anos, se falarmos de alguns exames ou cirurgias, sendo que alguns pacientes não chegam a ter qualquer tratamento, porque, pura e simplesmente, morreram entretanto.

É a «reforma da saúde» que está em curso, como têm sublinhado os ministros do sector desde Correia de Campos (PS) a Paulo Macedo (PSD/CDS) para não ir mais atrás. «Reformas» que envolvem simultaneamente o aumento dos custos com taxas moderadoras e a transferência directa de centenas de milhões de euros do Orçamento do Estado, por via de convenções diversas, para os grupos económicos que operam no sector. Cada consulta, cada acto médico feito no SNS passou a ter uma factura detalhada para que pese na consciência do cidadão o balúrdio que custa ao Estado.

E assim se transfere milhares de utentes para o sector privado, e assim se multiplica as oportunidades de negócio, e assim se acumula lucros fabulosos e assim se entra na bolsa de valores, esse verdadeiro coração do sistema capitalista a quem só a luta dos trabalhadores e dos povos poderá provocar um merecido enfarte.

 



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