Rife-se!

Anabela Fino

Um governo que desinveste na educação e na cultura só por puro acidente é que pode ter uma atitude pedagógica seja em que domínio for. Não deveria portanto ser motivo de espanto que a cada passo da acção governativa nos defrontemos com medidas que ao invés de contribuírem para a elevação do espírito cívico são um verdadeiro estímulo à desresponsabilização social. Mas o facto é que ainda nos espantamos. É que este Governo PSD/CDS tem uma particularidade: quando parece ter batido no fundo do despudor e do desrespeito por Portugal e pelos portugueses, consegue sempre ir ainda mais fundo na falta de vergonha e de seriedade.

Há quem afirme que isso se deve ao facto de o aparelho de Estado estar literalmente infestado por jotas com muita ambição e pouca ou nenhuma educação. Mas ainda assim... Como é possível que num país com cerca de milhão e meio de desempregados, cerca de três milhões de pobres, onde boa parte da população empobrece a trabalhar com salários de miséria, onde as crianças chegam à escola com fome por nada terem em casa para comer, onde os avós tiram da boca para dar a filhos e netos..., como é possível, repete-se, ter despontado numa qualquer cabeça essa coisa iníqua de pôr o fisco a sortear carros topo de gama para cativar o pedido de facturas?

Será que ninguém no Governo parou sequer para pensar na ofensa que tal representa para quem perdeu o trabalho? Ou será que esperam ver os desempregados a dirigir-se para as filas do centro de emprego ao volante de um topo de gama? Será que esperam ver quem perdeu a casa por causa da lei dos despejos a dar pulos de contente por ter a ilusão de poder viver num carro de alta cilindrada? Será que não houve ao menos uma cabecinha a intuir que o pagamento de impostos deve ser interiorizado como um dever cívico para que todos contribuam para o que por todos deve ser distribuído como um bem comum? Ou será que o busílis da questão está nesta relação de causa e efeito que era suposto existir e que de facto – com este como já com outros governos antes deste – tende cada vez mais a não existir porque uns comem os figos e a outros rebenta a boca?

Este Governo não saiu na rifa, mas já está mais do que na hora de ser rifado.

 



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