Quem dirá

Henrique Custódio

Esta gente que ocupa o poder em Portugal não presta, e mostra-o todos os dias. Esta semana saiu-se com o «sorteio de carros topo-de-gama» entre os que pedem factura, mais os «vistos-talento» a fornecer a investigadores estrangeiros, com respectivas bolsas.

O «sorteio dos carros» fede a fascismo; só nesse tempo se desceria ao ponto de atrair o povo esganado de impostos a cumprir o papel de bufo do fisco, acenando-lhe com uma lotaria que, no caso, não só ilude milhões de pessoas atrás de uma miragem como, sobretudo, transforma o acto em negócio de Estado. O próprio Governo pôs o fisco no casino.

Os «vistos-talento» nem ponta têm por onde se lhes pegue: cortar bolsas e investigação científica nacional e, nisso, terminar abruptamente o trabalho que levou gerações a erguer, para de seguida exibir a puerilidade de uma oferta de «bolsas de excelência» a estrangeiros (que, por sinal, deixarão de aqui ter núcleos de investigação sólidos), constituiria imbecilidade homérica, se esta ranchada merecesse andar entre os deuses.

No meio dos Rosalinos que vão e dos Poiares que vêm, dos Relvas que são forçados a sair deixando vastos terrenos armadilhados e dos Machetes que entram inundados de si próprios para armadilharem tudo à volta, roda uma girândola de inanidades, sempre alapadas ao penacho do poder e disso tomando um incompreensível orgulho, pois ninguém naquele bando vale um chavo como governante – de quem se espera alguma cultura, senso, sentido de Estado.

Governam à vista e atados ao leme da sua incompetência, mas têm directrizes precisas, objectivos concretos, prazos definidos.

As directrizes são gerais e concentram-se num ponto: destruir, à outrance, tudo o que for possível de vários estados: o social, o democrático, se possível (e os tribunais consentirem) o de direito.

Os objectivos concretos resumem-se a privatizar o que estiver a jeito – o que está quase cumprido, pois quase nada resta na mão do Estado.

Quanto aos prazos definidos, são pragmáticos e flexíveis. Já houve tempo em que se limitavam a fazer o pior possível até os deitarem abaixo, depois que viram o Presidente da República a apresentar-se como mordomo dos seus desmandos afoitaram-se e até já sonham – caso as eleições europeias não lhes inflijam uma derrota vergonhosa –, enfrentar com êxito o PS do amigo Tozé Seguro, nas eleições legislativas do próximo ano, descansados que estão com a magnífica «oposição violenta» com que o mimoso secretário-geral os tem brindado.

Este é o racciocínio generalizado dos comentadores da praça, alguns disfarçando a sua exultação com um surpreendido «quem diria há uns meses atrás?».

Há «uns meses atrás» todos vociferavam pela demissão do Governo Passos/Portas.

Dentro de alguns meses são capazes de ver que, se calhar, o povo não esquece.




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