O santo e a senha

Anabela Fino

Já se sabia que havia uns quantos portugueses multimilionários e que as respectivas fortunas cresceram nos últimos anos não obstante a crise, segundo uns, justamente à conta dela, segundo outros. Seja como for, vale a pena lembrar, a benefício do inventário, que o rico mais rico português – Américo Amorim –, com uma fortuna avaliada em 4,5 mil milhões de euros e que segundo rezam as crónicas terá conseguido duplicar a sua fortuna num ano «com a subida em flecha do preço das acções que detém na Galp Energia, no Banco Popular e na Corticeira Amorim», esse mesmo, foi um dos primeiros a despedir trabalhadores quando a «crise» se tornou no santo e na senha para a destruição das conquistas de Abril.

Importa também não esquecer que num ano as 25 maiores fortunas do país valorizaram 16% e que segundo as contas de revista Exame o total das 25 maiores fortunas equivale, em 2013, a 10% do produto interno bruto (PIB) nacional, quando em 2012 representava 8,4%.

A este conhecimento, sempre enriquecedor, veio agora juntar-se um outro, não menos interessante: há seis banqueiros portugueses entre os mais bem pagos da União Europeia, sendo que por bem pagos se quer dizer que auferem remunerações anuais acima de um milhão de euros. Quem o afirma é a insuspeita Autoridade Bancária Europeia, e os dados reportam-se ao ano passado. Lamentavelmente, ao contrário do que sucede com os bem identificados multimilionários nacionais neste caso não se revelam nomes nem se identificam as instituições onde prestam tão lucrativos serviços.

Sabendo-se dos milhares de milhões de euros canalizados pelo Governo para a Banca e da entrega das empresas públicas para a engorda do capital, ocorre perguntar que «crise» é esta que os portugueses estão a pagar com a brutal regressão das condições de vida e de trabalho a níveis do século XIX. Se isto não é violência, o que será violência? Subir uns degraus ou entrar no átrio de um Ministério em protesto contra um Orçamento do Estado que aperta ainda mais a corda que os portugueses têm ao pescoço, enquanto a Comissão Europeia e o FMI exigem novo esticão de 3,4 mil milhões de euros em 2015? De certeza que não, mas anda por aí quem queira convencer do contrário. E não é por acaso.

 



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