Revés da UE em Vilnius

Luís Carapinha

O não ucraniano à associação com a UE estragou a festa

Terminou em fiasco a Cimeira de Vilnius da Parceria Oriental da UE dos dias 28-29 de Novembro. O não ucraniano à associação com a UE estragou a festa com que Bruxelas se pretendia parcialmente redimir da arrastada crise em que labuta (os acordos preliminares rubricados com a Geórgia e Moldávia servem apenas de consolação). E representa um inegável revés para a estratégia expansionista da UE e da NATO na frente Leste, que os EUA acalentaram e apoiaram desde o fim da URSS. É importante assinalá-lo, apesar de toda a volatilidade que a situação na Ucrânia carrega.

O rancor perdedor exibido por Durão, Rompuy e eurocratas de todas as estirpes e escalões depressa deu lugar à reacção desenfreada no centro de Kiev. As manifestações de violência e extremismo na capital da Ucrânia não configuram só uma espécie de ensaio geral do cenário que se prepara para as próximas eleições presidenciais de 2015. São uma inocultável tentativa de reeditar os acontecimentos de 2004 na Praça da Independência (conhecida também como a europraça), no figurino de uma «revolução laranja – episódio 2». Uma tentativa de golpe de estado que continua a passar pela mais despudorada ingerência externa. Veja-se a participação nas manifestações – antes e depois da Cimeira de Vilnius – de figuras como a presidente do Parlamento da Lituânia ou do líder da direita polaca mais conservadora, J. Kaczynski. Mas, desta feita, a operação pode falhar.

As pressões da UE sobre o presidente ucraniano no conclave da capital lituana não cessaram até ao último momento. Pelo caminho ficara a exigência prévia de libertação da antiga primeira-ministra, Iúlia Timochenko, conhecida como a «princesa do gás». Porém, Ianukóvitch manteve a palavra dada por Kiev a 21 de Novembro, quando foi, surpreendentemente, anunciada a suspensão das negociações com a UE.

Na permanente trama política ucraniana, todos os partidos da oposição – excepto o PCU – e o próprio Partido das Regiões no poder – força política com ligações a poderosos interesses económicos com assento original na base industrial do Leste do país, de população predominantemente russófona –, não se cansam de professar fidelidade ao curso «europeu». Mas os desacreditados partidos do «arco governativo» em Kiev sabem bem que em Bruxelas ninguém conta com a Ucrânia, cuja economia – por sinal – voltou a entrar em recessão. Na prática, a implementação das quase 900 páginas do acordo com a UE, que tem como peça nuclear o estabelecimento de uma zona de livre comércio, equivaleria à capitulação da Ucrânia face às imposições do acquis comunitário e à sanha dos grandes grupos económicos da UE. Além do mais, a almejada associação com a UE far-se-ia acompanhar por um novo empréstimo do FMI a Kiev, tendo como contrapartida o aumento das tarifas do gás, o congelamento dos salários e o corte das despesas sociais no Orçamento do Estado. Comezinho aspecto sobre o qual os grandes media preferem passar em silêncio.

A parada em torno da Ucrânia é muito alta. Desde o olhar do sistema dominante dos EUA, «a Ucrânia enfrenta hoje um período crucial que pode determinar a sua independência e orientação internacional por décadas, senão séculos» (Ariel Cohen, 21.10.13, heritage.org). Por cima de todos os interesses em liça, «arrancar a Ucrânia à influência russa» permanece um objectivo primordial do imperialismo.

Dias difíceis continuam pois a anunciar-se para os trabalhadores e o povo ucranianos. Exigindo a luta organizada e persistente em defesa dos seus direitos. Só neste caminho será possível salvaguardar a soberania e um futuro de progresso e paz, desejada pela grande maioria dos ucranianos.




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