Assassinos grandes e pequenos

Filipe Diniz

«Es­tava na minha cama às 11h.45 da noite quando ouvi ba­rulho e vi he­li­cóp­teros a pairar. Avi­saram através de al­ti­fa­lantes que as pes­soas não de­ve­riam sair de casa e que se não obe­de­cessem se­riam al­ve­jadas. Os meus três so­bri­nhos e o meu cu­nhado es­tavam a dormir no quarto de vi­sitas. Todos os quatro saíram de casa em pâ­nico e foram aba­tidos pelos mi­li­tares in­ter­na­ci­o­nais. De­pois os mi­li­tares in­ter­na­ci­o­nais co­me­çaram a re­vistar-nos as casas. Par­tiram três portas e quei­maram uma bi­ci­cleta a motor. Vas­cu­lharam a casa toda e en­con­traram uma es­pin­garda de pressão de ar e des­truíram-na. Os mi­li­tares in­ter­na­ci­o­nais pren­deram o meu irmão e foram-se em­bora.»

Este tes­te­munho é de um al­deão afegão, e foi re­ti­rado de um re­la­tório da missão UNAMA (United Na­tions As­sis­tance Mis­sion in Af­ga­nistan). Vem a pro­pó­sito do re­cente jul­ga­mento de um fu­zi­leiro bri­tâ­nico pelo as­sas­sínio a sangue frio de um jovem afegão que fi­cara fe­rido por tiros dis­pa­rados de um he­li­cóp­tero. O jul­ga­mento só tem lugar porque essas tropas uti­lizam equi­pa­mento muito so­fis­ti­cado: uma câ­mara de te­le­visão ins­ta­lada no ca­pa­cete do as­sas­sino re­gistou o crime.

O acon­te­ci­mento deu-se em Se­tembro de 2011. Dados da ONU apontam para que só nesse ano hou­vesse 3021 civis mortos e 4507 fe­ridos no Afe­ga­nistão. Na tropa da ocu­pação im­pe­ri­a­lista, em tantos casos de­ses­pe­rada pe­rante uma si­tu­ação mi­litar in­con­tro­lável, de vez em quando há um mi­litar de baixa pa­tente que vai a tri­bunal e é con­de­nado. Um, o U.S. Sgt. Ro­bert Bales, que matou 16 civis e feriu ou­tros 6, foi con­de­nado a prisão per­pétua. Sendo os EUA o que são, as fa­mí­lias destas ví­timas re­ce­beram $50 000 por cada pa­rente fa­le­cido, e os fe­ridos so­bre­vi­ventes re­ce­beram $11 000. Pa­rece que estes va­lores foram in­fla­ci­o­nados pelo im­pacto do crime – me­di­a­ti­zado como o «mas­sacre de Kan­dahar» – porque, por exemplo, uma ra­pa­riga que ficou com um braço gra­ve­mente fe­rido noutra oca­sião apenas teve di­reito a $392.16. Em qual­quer caso as fa­mí­lias assim con­tem­pladas foram in­for­madas que se tra­tava de «as­sis­tência pro­por­ci­o­nada pelo pre­si­dente Obama», o as­sas­sino em série que mata com drones.

A hora dos peixes graúdos serem jul­gados também há-de chegar.

 



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