Cavaco Silva com visão «idílica» da agricultura

Discurso esconde realidade dramática

A actual situação da agricultura portuguesa nada tem a ver com a imagem que dela tentou passar o Presidente da República nas comemorações do 10 de Junho, acusa o PCP.

O Governo serve o agro-negócio e esmaga os agricultores

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Numa conferência de imprensa realizada no dia 20, em que participou João Frazão, da Comissão Política, o PCP repudiou a abordagem «estreita e enganosa» que Cavaco Silva fez da agricultura portuguesa, ao tentar passar a ideia de que «tudo vai bem» e que «não há problemas». Ao fazê-lo, garantiu o dirigente comunista, o Presidente da República não só pretendeu dar «uma mãozinha do Governo», como também auto-elogiar-se pelos tempos em que foi primeiro-ministro e «limpar a imagem das ruinosas políticas que conduziram ao definhar da agricultura e à dependência em que o País se encontra». As palavras proferidas em Elvas pelo chefe de Estado contradizem mesmo as declarações que ele próprio fizera dois anos antes, nas quais reconhecia o envelhecimento dos agricultores portugueses e o próprio défice alimentar do País.

Como sublinhou João Frazão, tanto Cavaco Silva como o Governo «ignoram a soberania alimentar, a sua importância e necessidade para garantir a nossa independência como país e mesmo para a nossa segurança alimentar». Submissos ao grande capital, «pouco lhes interessa o que cá se produz para alimentar a população, apenas falando e apoiando as exportações, particularmente das grandes empresas, mesmo que estrangeiras», acrescentou.

O desastre é real

Para o dirigente comunista, a realidade contraria a visão idílica adiantada por Cavaco Silva, já que os «extraordinários êxitos» encontrados pelo Presidente da República no azeite, no vinho ou no leite escondem, na verdade, «desastres concretos»: o olival tradicional encontra-se cada vez mais ao abandono ou ameaçado pelo olival superintensivo, que esgota os terrenos em que estão instalados; os 40 mil pequenos e médios vitivinicultores do Douro vivem uma das mais graves crises de sempre, tendo perdido 60 por cento dos seus rendimentos na última década; cerca de 70 mil produtores de leite foram forçados a abandonar a produção, enquanto os oito mil que restam sobrevivem com grandes dificuldades.

Da agricultura real – e não da imaginada por Cavaco Silva – são ainda a dependência extrema do País em cereais (no caso do trigo chega aos 89 por cento), o défice agro-alimentar que cresceu à média de 2,3 por cento ao ano entre 2000 e 2011, a eliminação de mais de 480 mil explorações agrícolas nos últimos 30 anos (quase duas por hora) e a redução da Superfície Agrícola Útil, entre 1999 e 2009, em meio milhão de hectares.

Soberania alimentar

Reconhecendo que o País «não tem condições de cultivar toda a diversidade e quantidade de produtos agrícolas e pecuários necessários ao consumo interno», João Frazão garantiu que ao nível do clima e dos solos Portugal tem o que precisa para «ter muitas dessas produções e aumentar o volume das que já produzimos». Assim, paralelamente ao objectivo de produzir para «evitar importações desnecessárias», há que apoiar a exportação de produtos de «qualidade ímpar e única» e salvaguardar o País de exportações «suportadas por modelos superintensivos de produção, com recurso à mão-de-obra barata e precária, em geral imigrante a quem se oferecem condições miseráveis de alojamento, e pouco sustentável ambientalmente».

Portugal pode obter «níveis de auto-abastecimento, em produtos, muito maiores do que os actuais e capazes de assegurar a nossa soberania alimentar», realçou o dirigente comunista, para quem a falta dessa soberania implica permanecer «sempre na dependência de interesses alheios que nos venderão o que quiserem e nas condições que quiserem». Mas tal, garantiu João Frazão, não se pode fazer com as políticas deste Governo, em tudo semelhante à dos que o antecederam e que colocaram a agricultura portuguesa na situação em que está.


Governo esmaga agricultores

A única medida que o Governo dedicou exclusivamente aos pequenos e médios agricultores foi a obrigatoriedade de se colectarem, acusou João Frazão, lembrando o voto contrário do PCP a esta medida, tanto no Orçamento do Estado como no Orçamento Rectificativo. Para o dirigente comunista, esta imposição é apenas uma das componentes de uma política agrícola de «submissão à PAC e às regras assentes na suposta competitividade, nas ajudas desligadas da produção, na desigualdade dos apoios e de frete ao grande capital do agro-alimentar, agroflorestal e da grande distribuição».

De facto, acrescentou o membro da Comissão Política, estamos perante uma «política de desvalorização da pequena e média agricultura que, bem se pode afirmar, nos últimos dois anos, continua a ser alvo de medidas orquestradas para as liquidar». A especulação do preço dos factores de produção; a eliminação de serviços e funcionários do Ministério, que apoiavam os pequenos agricultores; o alastramento de pragas e doenças; a acumulação de dívidas de milhões de euros às organizações de produtores pecuários por tarefas de sanidade animal e a degradação da Casa do Douro são algumas dessas medidas.

 

A estas, o dirigente do PCP soma uma outra, particularmente reveladora da natureza do Governo e da sua política: a eliminação de muitos agricultores do acesso às ajudas comunitárias, quando a maior parte destas são atribuídas a grandes empresas, ao próprio Ministério e seus serviços e a grandes proprietários. Aliás, 10 por cento dos beneficiários «abocanham 90 por cento das ajudas», denunciou João Frazão. Assim se esmaga a pequena agricultura em favor do agro-negócio da indústria e da distribuição.



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