Alentejo evoca Álvaro Cunhal
O espectáculo que se realiza às 21 horas de sábado, 15, na Casa da Cultura de Beja promete emocionar os presentes ao evocar uma das figuras mais destacadas para a luta do povo da região.
Álvaro Cunhal acompanhou sempre a luta dos alentejanos
Músicos de grande qualidade, duas dezenas de grupos corais alentejanos, a apresentação de Cândido Mota e a presença de Jerónimo de Sousa são alguns dos ingredientes que farão do espectáculo evocativo de Álvaro Cunhal, em Beja, um acontecimento inesquecível. Como pano de fundo estará a luta pela Reforma Agrária – a mais bela conquista da Revolução, como lhe chamou Álvaro Cunhal – e a cultura de um povo insubmisso, trabalhador, revolucionário, patente nas suas canções. Os povos que cantam não morrem, disse numa ocasião Michel Giacometti, e o povo alentejano é disso prova cabal.
No sábado à noite subirão ao palco nomes relevantes da música portuguesa, e alentejana em particular: Ana Sofia Varela, Fernando Pardal, Paulo Colaço, Paulo Ribeiro, Pedro Mestre, Lúcia Moniz, Luísa Basto e Samuel (os três últimos constituindo o «núcleo duro» deste espectáculo). Com eles, para além do apresentador que dispensa apresentações, estarão a Banda Filarmónica de Serpa e alguns dos grupos corais que, pouco antes, percorrerão as ruas de Beja num desfile que em si mesmo promete ser um momento inolvidável.
Em destaque estarão canções alentejanas e outras que, não o sendo, versam sobre a tenaz luta do seu povo: O Tractor, de Sérgio Godinho, Cantar Alentejano, de José Afonso, Margem Sul, de Adriano Correia de Oliveira e Urbano Tavares Rodrigues, e o Hino da Reforma Agrária, de Samuel. Estas e outras canções figurarão também no CD que será editado no âmbito das comemorações do centenário de Álvaro Cunhal no Alentejo.
O espectáculo do próximo sábado, sendo um ponto alto das comemorações do centenário na região, não as esgotam, já que se prolongam até Novembro. Desde Março que estão a realizar-se outros espectáculos em todo o Alentejo, bem como colóquios e exposições, subordinadas ao lema «Terra, Luta, Arte e Futuro».
Presença constante na sua obra
As comemorações do centenário de Álvaro Cunhal na região estão a ser dinamizadas por uma comissão que integra associações, autarquias e estruturas sindicais. Três destas organizações – a Casa do Alentejo, a Associação Povo Alentejano (APA) e a Cooperativa Cultural Alentejana – foram o núcleo a partir do qual tudo nasceu e foi com os seus dirigentes que o Avante! esteve à conversa para saber mais sobre as diferentes iniciativas.
João Proença, presidente da Casa do Alentejo, garante que a associação que dirige não podia ficar à margem desta homenagem tendo em conta a ligação profunda de Álvaro Cunhal a «tudo o que houve de progresso no Alentejo após o 25 de Abril». Além disso, acrescentou, o homenageado «tem na sua obra muitas referências ao Alentejo e ao povo alentejano». Juntando a isto a existência, entre os sócios da Casa do Alentejo, de muitos admiradores do percurso de Álvaro Cunhal, a opção da direcção não podia ser outra senão a de se juntar a «esse grande movimento que se desenvolve em torno destas comemorações».
Já António Gavela, da APA, considera estas comemorações uma «boa altura para destacar a importância que Álvaro Cunhal sempre deu na sua obra às questões do uso e posse da terra, da soberania alimentar e da produção agrícola». Pelo menos desde 1946 que em sucessivos congressos do PCP e em várias das suas mais importantes obras teóricas que a questão do uso e posse da terra é reflectida nas suas diversas vertentes. A sua prática política revelou as mesmas preocupações, ao acompanhar de perto a luta pela conquista das oito horas nos campos do Sul, em 1962 (a que chamou de «admirável impossibilidade»), e a própria construção da Reforma Agrária, que considerava «a mais bela conquista da Revolução». Não foi certamente por acaso que Álvaro Cunhal participou em 11 das 12 Conferências da Reforma Agrária, concluiu António Gavela.
Reforma Agrária e Poder Local
José Baguinho, da Cooperativa Cultural Alentejana, lembrou o desafio lançado pela comissão central das comemorações do centenário, o qual «não podíamos ignorar, pois Álvaro Cunhal, tendo sido Secretário-geral do PCP, foi também uma figura importantíssima, que contribuiu decisivamente para a derrota do fascismo e para as conquistas revolucionárias de Abril, particularmente a Reforma Agrária». Relativamente a esta conquista, José Baguinho realça que ela deu «trabalho e pão» aos alentejanos, fazendo com que muitos que estavam espalhados pelo País tivessem regressado às suas terras.
Outra conquista revolucionária de assinalável importância para a região é o poder local democrático, hoje seriamente ameaçado. As populações alentejanas, recorda José Baguinho, «para além de não terem trabalho, não tinham luz nem água em casa». O poder local democrático, primeiro por intermédio das comissões administrativas e, a partir de 1976, dos órgãos eleitos, permitiram que o Alentejo tivesse um grande desenvolvimento. Álvaro Cunhal teve uma forte influência nestas conquistas, que beneficiaram todo o povo, e «não nos podíamos dissociar destas comemorações».
Terra, luta, arte, futuro
Integrada nas comemorações do centenário que decorrem em todo o País sob o lema «Vida, pensamento e luta: exemplo que se projecta na actualidade e no futuro», a homenagem do Alentejo procura centrar as atenções na relação fortíssima entre Álvaro Cunhal e o Alentejo e o seu povo. Daí o mote da exposição regional, que estará patente na Casa da Cultura de Beja no próximo sábado, ser «Alentejo – Terra, luta, arte, futuro».
Explicando melhor o título desta exposição, António Gavela recorda que a questão do uso e posse da terra e da luta dos trabalhadores rurais surgem em obras obras como «O caminho para o Derrubamento do Fascismo», «As Lutas de Classes em Portugal nos finais da Idade Média», «Contributo para o Estudo da Questão Agrária» ou no «Rumo à Vitória», lembrando ainda a sua intervenção constante de várias décadas sobre estas mesmas temáticas. No que respeita à arte, acrescenta, nos seus «Desenhos da Prisão» Álvaro Cunhal retrata muitas figuras e situações tipicamente alentejanas, como as ceifeiras ou as praças de jorna.
Quanto ao futuro, José Baguinho realça que a luta dos alentejanos não deixará de contar com a memória e o exemplo de Álvaro Cunhal, da sua vida e da sua obra. «Por muito escuros que sejam os tempos, por muito fortes que sejam as tempestades, haverá o dia em que as coisas hão-de mudar e esse dia estará tanto mais próximos quanto mais as pessoas lutarem e se envolverem. Este é também um ensinamento que vem do exemplo de Álvaro Cunhal.» As lutas do presente e do futuro por uma nova reforma agrária, que elimine o latifúndio e ponha a terra a produzir para o povo e para o País terá sempre a marca de Álvaro Cunhal, acrescentou António Gavela.