Terrorismo à la carte

Luís Carapinha

A carta do ter­ro­rismo con­ti­nuará a ser usada pelo im­pe­ri­a­lismo

São muitas as in­ter­ro­ga­ções em torno do aten­tado de 15 de Abril em Boston. A in­cre­du­li­dade da versão ofi­cial dos acon­te­ci­mentos é afo­gada na água turva da tor­rente dos media, vi­sando a ins­ti­lação de um clima de ir­ra­ci­o­na­li­dade e fobia se­cu­ri­tária que não se li­mita às fron­teiras dos EUA. Apesar das di­fe­renças, é ine­vi­tável a sen­sação de déjá vu e a ana­logia com o 11 de Se­tembro de 2001. So­bre­tudo, com a cam­panha ter­ro­rista lan­çada pelos EUA por via do mito do com­bate ao ter­ro­rismo de Bin Laden e da Al-Qaeda após os aten­tados contra as Torres Gé­meas e o Pen­tá­gono. Tal como de­pois do 11 de Se­tembro, na­quilo que se se­guirá en­con­trar-se-á pro­va­vel­mente as res­postas às ques­tões clás­sicas: Quem lucra com esta acção? Que in­te­resses e agenda serve?

Desta feita as culpas não apontam para um cé­rebro ma­ligno a operar desde as ca­vernas do Afe­ga­nistão (os EUA e a NATO até pla­neiam eva­cuar em 2014 o grosso das tropas de ocu­pação, dei­xando o mí­nimo in­dis­pen­sável à ma­nu­tenção do foco de­ses­ta­bi­li­zador afegão). Mas sim para a pista russa – os acu­sados são de etnia che­chena –, o que só por si de­monstra que a pa­rada é muito alta. Tal como em 2001, Pútin apressou-se a apelar à co­o­pe­ração com os EUA na luta contra o ter­ro­rismo, mas lem­brando o apoio do Oci­dente aos grupos is­lâ­micos che­chenos. O pre­si­dente russo não ig­nora que, a pro­pó­sito de Boston, surgem do in­te­rior do es­ta­blish­ment dos EUA vozes que apontam agora o Cáu­caso russo como um vi­veiro de ter­ro­rismo. Si­nais se­guros do au­mento da pressão sobre a Rússia do com­plexo fi­nan­ceiro-mi­litar-in­dus­trial que de­ter­mina a ori­en­tação es­tra­té­gica dos EUA, a poucos meses da re­a­li­zação em São Pe­ters­burgo da Ci­meira do G-20. E a menos de um ano dos Jogos Olím­picos de Sochi (In­verno de 2014), às portas do Cáu­caso… Do lado russo, a par das de­cla­ra­ções ofi­ciais não passam des­per­ce­bidos re­latos saídos na im­prensa do en­vol­vi­mento de T. Tsar­naiev – prin­cipal sus­peito do aten­tado em Boston, eli­mi­nado à ca­beça da «in­ves­ti­gação» – em ac­ções de­ses­ta­bi­li­za­doras da CIA no Norte do Cáu­caso que se­riam con­du­zidas com o apoio da Geórgia. Washington sabe que de­pois da de­sin­te­gração da URSS, a ins­tável si­tu­ação (com base so­cial e na­ci­onal) nas re­pú­blicas do Cáu­caso re­pre­senta o cal­ca­nhar de Aquiles da pró­pria in­te­gri­dade ter­ri­to­rial da Fe­de­ração Russa. Por isso, sempre pro­moveu de forma sub­ter­rânea, in­clu­sive desde o in­te­rior do Kremlin, nos anos de Iéltsin, Be­re­zovski e Cia., o ter­ro­rismo se­pa­ra­tista no Cáu­caso.

Quadro que ganha uma nova di­mensão de­pois da ope­ração contra a Líbia e, prin­ci­pal­mente, com a guerra ter­ro­rista em curso na Síria. É sob a co­ber­tura do es­pan­talho do ter­ro­rismo que Boston veio avivar, que surgem novos si­nais de es­ca­lada mi­li­ta­rista, num mo­mento em que os grupos a soldo na Síria so­frem re­vezes na frente mi­litar. As acu­sa­ções pro­vo­ca­tó­rias, lan­çadas pelos ser­viços se­cretos de Is­rael, da uti­li­zação de armas quí­micas por Da­masco e que en­con­tram eco em Lon­dres, Paris e Washington (apesar de si­nais pouco con­sis­tentes de certo dis­tan­ci­a­mento da Casa Branca…), in­serem-se nesta pers­pec­tiva que tem os olhos fi­xados no Irão e de­corre da agenda es­tra­té­gica contra a Rússia e a China.

No pano de fundo de agra­va­mento da crise sis­té­mica do ca­pi­ta­lismo, a carta do ter­ro­rismo con­ti­nuará a ser usada pelo im­pe­ri­a­lismo na sua agenda ex­terna e in­terna. Para com­bater a so­be­rania dos povos e cri­mi­na­lizar a luta de re­sis­tência. E ir ins­tau­rando a ordem re­pres­siva que o novo pa­ra­digma de ex­plo­ração e con­cen­tração ca­pi­ta­lista exige com cres­cente im­pa­ci­ência.



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