PCP homenageia Ferreira Soares nos 70 anos do seu assassinato

O fascismo existiu e matou

O PCP lembrou uma vez mais, no passado sábado, o brutal assassinato do médico comunista António Ferreira Soares, a 4 de Julho de 1942, às mãos de uma brigada da PVDE. Na homenagem realizada no cemitério de Nogueira da Regedoura, em Santa Maria da Feira, em que participaram dezenas de militantes e simpatizantes do Partido, Jerónimo de Sousa garantiu que os ideais pelos quais Ferreira Soares deu a vida continuam presentes, setenta anos passados, na luta quotidiana dos comunistas portugueses. 

Ferreira Soares foi um dos mártires da resistência antifascista

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Há 70 anos, quando caiu varado pelas balas o médico comunista António Ferreira Soares, em Nogueira da Regedoura, o País vivia sufocado por uma brutal ditadura fascista, que encontrava na situação internacional da época – marcada pelo avanço (até aí) imparável do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial – um estímulo para reprimir sem pejo quem por cá se opunha aos seus desígnios. Eram os anos negros do Campo de Concentração do Tarrafal, concebido e gerido à moda hitleriana, onde perderam a vida 32 antifascistas, sem contar com os que foram libertados para morrer «em casa».

Só ano ano em que Ferreira Soares foi assassinado foram-no também Damásio Martins Pereira, António de Jesus Branco, Henrique Vale Domingos Fernandes e o então secretário-geral do Partido, Bento Gonçalves – todos estes no Campo da Morte Lenta.

E não é preciso recuar muito mais para encontrar mais vítimas da violência fascista: em 1941 morreram, também no Tarrafal, Jacinto de Melo Faria Vilaça, Casimiro Júlio Ferreira, Ernesto José Ribeiro e João Lopes Dinis; e no ano anterior Jaime Fonseca e Sousa e António Oliveira Coelho.

Nos anos seguintes, o fascismo roubou a vida a Paulo José Dias e Francisco Nascimento Gomes, em 1943, e, em 1944, a Francisco Ferreira Marquês, membro do Comité Local de Lisboa do PCP, espancado até à morte no Forte de Caxias. Em 1945, Germano Vidigal foi assassinado no posto da GNR de Montemor-o-Novo e Alfredo Dinis (Alex), membro do Comité Central, foi morto a tiro por uma brigada da PVDE.

Referimo-nos apenas aos mortos e àqueles que o foram naqueles primeiros anos da década de 40, portanto mais próximos da altura em que morreu Ferreira Soares. Deixamos de fora os que foram vítimas de brutais torturas e privações e que mesmo assim sobreviveram e os que, tendo sido assassinados, o foram muito antes ou muito depois de Ferreira Soares (a lista é imensa e termina na própria manhã de 25 de Abril, com a morte de dois jovens que cercavam a sede da PIDE exigindo a sua dissolução).

Serve esta introdução para lembrar – porque nunca é demais fazê-lo! – que em Portugal houve fascismo e que este, como é da sua natureza, foi um regime cruel e assassino; para não deixar cair no esquecimento que houve sempre quem lhe resistisse, quem enfrentasse todos os perigos para que a luta não parasse e se desenvolvesse, quem pagasse com a própria vida a dedicação à causa da libertação do povo português – e para recordar, sempre!, que entre os resistentes, os presos, os torturados, os assassinados estavam sobretudo os militantes do PCP.

 

Médico dos pobres

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O assassinato de Ferreira Soares é relatado pelo Avante! da primeira quinzena de Agosto de 1942, num artigo precisamente dedicado aos crimes do fascismo. Conta o jornal que os esbirros da polícia armaram uma cilada àquele que era conhecido por médico dos pobres no seu próprio consultório, usando como isco uma mulher, fazendo-se passar por doente: «Seis polícias entraram em seguida à falsa doente e alvejaram a tiros de pistola-metralhadora António Ferreira Soares. Depois levaram-no ferido e inanimado para o automóvel, e como se mexesse, esfacelaram-lhe as pernas com novas rajadas. Na casa de saúde de Espinho, onde chegou já morto, foram-lhe encontradas no corpo 14 balas.» Tinha 39 anos.

Ferreira Soares era um destacado quadro do PCP, membro do Comité Regional do Douro – e considerado pelo legionário Silva Leal como o «indivíduo mais perigoso do Norte». Forçado à clandestinidade, foi ajudado pelo povo de Nogueira da Regedoura, que lhe assegurou durante anos abrigo e comida e zelou sempre pela sua segurança. A este gesto respondeu sempre com a sua solidariedade, nunca negando apoio médico gratuito a esta humilde população. No seu funeral, e apesar da intimidação policial, acorreram «milhares de pessoas», destaca o mesmo Avante!.

Na homenagem, em que esteve presente Jorge Soares, filho de Ferreira Soares, interveio, para além de Jerónimo de Sousa (cujo discurso publicamos na íntegra), Pedro Almeida, da Comissão Concelhia de Santa Maria da Feira do PCP, que promoveu a iniciativa, juntamente com a Comissão Concelhia de Espinho.

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa

Continuar a luta «o tempo que for necessário»
– o melhor tributo à memória de Ferreira Soares

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Uma vez mais, prestamos a nossa homenagem – a homenagem do colectivo partidário comunista – ao camarada António Ferreira Soares, assassinado pela polícia fascista no dia 4 de Julho de 1942, faz agora precisamente 70 anos. Uma vez mais relembramos a notável dimensão fraterna, solidária, humana, do médico dos pobres, como era conhecido entre o povo, pela sua permanente disponibilidade para atender quem dele necessitasse, fosse a que hora fosse do dia ou da noite e tivesse ou não tivesse dinheiro para pagar a consulta.

Uma vez mais relembramos o militante comunista, intensamente empenhado na actividade partidária e na luta conduzida pelo Partido contra o regime fascista, pela liberdade, pela democracia, pelo socialismo e o comunismo. Uma vez mais relembramos o brutal assassinato de que foi vítima e as circunstâncias em que ocorreu.

Como sabemos, Ferreira Soares era, para além de médico altamente prestigiado, um militante comunista profundamente devotado à causa dos trabalhadores e do povo e um incansável lutador pela unidade das forças antifascistas. Perseguido pela polícia fascista – a PVDE que, anos depois, passou a chamar-se PIDE e, mais tarde, DGS – em 1936 refugiou-se aqui, em Nogueira da Regedoura, onde, durante cerca de seis anos, prosseguiu, clandestinamente, a sua actividade revolucionária e a sua acção como médico. Médico do povo – do povo que, solidário, sabendo-o perseguido pela polícia política, o auxiliava e apoiava, dando-lhe abrigo, defendendo-o, avisando-o sempre que havia sinal de presenças estranhas na povoação.

Mas a polícia fascista não desistira de o procurar, montando-lhe um cerco que se ia apertando. E naquele dia 4 de Julho, armaram-lhe uma cilada: uma falsa doente, acompanhada por um inspector e dois agentes da PVDE, solicita-lhe uma consulta de urgência, pedido a que ele – sempre disponível para ajudar a gente humilde e necessitada que procurava os seus cuidados – acede, recebendo a falsa doente em casa de sua irmã. Depois foram as 14 balas de pistola metralhadora disparadas à queima-roupa. Foi o crime brutal que o roubou ao seu povo e ao seu Partido.

 

Tempos negros de fascismo...

 

Recordar e homenagear, hoje, o camarada Ferreira Soares, a sua postura de militante comunista, de resistente antifascista, para além de um acto da mais elementar justiça, é também uma forma de dar resposta e combate à operação em curso visando o branqueamento do fascismo e o silenciamento e condenação dos que o enfrentaram e lhe resistiram heroicamente. Essa campanha que, levada a cabo pelo exército de historiadores de serviço e difundida pelos difusores de serviço, vem dando execução à tarefa de concluir e mandar publicar que, em Portugal não existiu fascismo; que o regime da Salazar e Caetano era, quanto muito, um regime autoritário e, mesmo assim, de um autoritarismo paternalista e tolerante; que a PIDE não torturava nem matava ninguém (que isso eram invenções e calúnias dos comunistas); que Salazar não era fascista, bem pelo contrário, era até um grande democrata.

Concluindo assim, esses branqueadores do fascismo desunham-se na tarefa de apagar a importância, o conteúdo e o significado da resistência antifascista e do papel nela desempenhado pelo PCP – numa operação que é parte integrante da acção de denegrimento dos comunistas, do seu Partido, do seu projecto, do seu ideal transformador e libertador; uma operação que visa ocultar a prática dos comunistas na assumpção do seu compromisso de sempre com os trabalhadores, o povo português, a independência e a soberania de Portugal – esse compromisso ao qual o camarada Ferreira Soares dedicou a sua vida; esse compromisso que, setenta anos passados, aqui assumimos como bússola orientadora da prática presente e futura do PCP e dos militantes comunistas.

Tudo isto torna necessário afirmarmos uma vez mais – e tantas vezes quantas as necessárias – que a verdade mostra, inequivocamente, que em Portugal existiu, durante quase meio século, uma feroz ditadura fascista; que o fascismo, enquanto ditadura terrorista do capital, oprimiu e reprimiu o povo e os trabalhadores portugueses e mergulhou na miséria e no atraso o País e o povo; que o fascismo perseguiu, prendeu, torturou, assassinou milhares e milhares de homens, mulheres e jovens que se lhe opuseram corajosamente. E que, nesse tempo em que lutar pela democracia e pela liberdade tinha como consequências inevitáveis a prisão, a tortura, muitas vezes a morte, nesse tempo difícil, os comunistas foram os únicos que ocuparam sempre a primeira fila da luta. E o exemplo de vida e de luta do camarada Ferreira Soares é a mais cabal confirmação de tudo isso.

De facto, eram tempos difíceis para os trabalhadores e para o povo, esses tempos em que viveu e lutou o camarada que hoje aqui homenageamos. Tempos de brutal exploração, de obscurantismo, de miséria. Tempos de violência, de repressão, de perseguições, de prisões em massa, de torturas, de deportações, de assassinatos, de terror à solta – recorde-se que, nesse mesmo ano de 1942, morreram no Campo de Concentração do Tarrafal quatro resistentes antifascistas, entre eles o camarada Bento Gonçalves, então secretário-geral do PCP. Eram tempos, enfim, em que o fascismo salazarista, estimulado pelos avanços dos exércitos nazis na União Soviética – avanços que muitos viam como imparáveis – exibia a sua verdadeira face terrorista.

 

e de resistência e luta

 

Mas eram, também, tempos de luta, de intensa luta antifascista, de intensa actividade do PCP. Estava, então, em curso o processo iniciado com a importante reorganização de 1940/41 – um processo que atingiria expressão maior com a realização dos III e IV congressos do Partido, respectivamente em 1943 e 1946, e que transformaria o PCP num partido marxista-leninista, vanguarda de facto da classe operária e das massas trabalhadoras; no grande partido da resistência e da unidade antifascistas; num grande partido nacional.

No âmbito desse processo, nascem organizações e organismos do Partido por todo o País: são criadas e crescem células em praticamente todas as grandes empresas nacionais; avança em força a organização junto dos assalariados rurais, particularmente na zona do latifúndio; reforça-se a organização da juventude, que vê no PCP o seu partido; é enorme a influência do Partido junto dos intelectuais que desempenham papel marcante na situação, quer enquanto porta-vozes, através da sua arte, das aspirações e das lutas das massas trabalhadoras, quer enquanto componentes do vasto movimento de luta antifascista, pela liberdade, pela democracia e pela paz.

É por essa altura que é criado o Comité Regional do Douro do Partido Comunista Português, do qual o camarada António Ferreira Soares era um destacado membro.

Na sequência deste impetuoso desenvolvimento do Partido, intensifica-se e amplia-se a luta dos trabalhadores e do povo e a resistência ao fascismo cresce e reforça-se consideravelmente. A classe operária surge em força a ocupar um papel marcante na cena política nacional e ocupa a vanguarda da luta – e à sua frente, mobilizando, organizando, dirigindo, projectando e impulsionando a luta sempre para a frente, sempre para objectivos mais vastos, está o Partido Comunista Português, assumindo-se assim e afirmando-se aos olhos do povo português, inequivocamente, como a verdadeira vanguarda da classe operária e das massas trabalhadoras.

A luta da classe operária e dos trabalhadores alastra por todo o País, incidindo em praticamente todas as áreas de actividade – dos têxteis aos corticeiros; dos químicos aos mineiros; dos metalúrgicos aos ferroviários; dos portuários aos pescadores, aos electricistas, aos salineiros; aos vidreiros, aos construtores navais, aos tipógrafos, aos sapateiros, aos conserveiros, aos assalariados rurais – e desenvolvendo-se praticamente em todo o País: Covilhã, Lisboa, Almada, Barreiro, Setúbal, Aveiro, Oliveira de Azeméis, Matosinhos, Penafiel, Porto, Nazaré, Leiria, Figueira da Foz, Loulé, Estarreja, Famalicão, Alenquer, Viana do Castelo, Marinha Grande, Coimbra, Vila Nova de Gaia, Espinho, S. João da Madeira, Lamego, Barcelos, Viseu, Braga, Évora, Santarém, Montijo, Vila Real, Régua, Vila do Conde, Guimarães, Castelo Branco, são algumas das localidades e regiões palco de corajosas lutas da classe operária e das massas trabalhadoras, num processo que viria a atingir dimensão superior com as importantes greves em Lisboa e na Margem Sul do Tejo, em 1943, e as históricas jornadas de luta de 8 e 9 de Maio de 1944, na região de Lisboa e no Baixo Ribatejo.

Ao mesmo tempo, e por efeito da acção empenhada do Partido, a unidade das forças democráticas e antifascistas dá significativos passos em frente: em Janeiro de 1944 é criado o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Antifascista), em que participam comunistas, socialistas, republicanos, católicos, monárquicos e outros antifascistas de várias tendências. Depois nasce o MUD (Movimento de Unidade Democrática) e, logo a seguir, o MUD Juvenil. Trata-se de movimentos unitários na criação dos quais o PCP desempenhou um papel determinante e que constituíram importantes frentes da luta antifascista.

Foi neste tempo difícil e em que escolher o lado certo da barricada, fazer a opção justa, comportava consequências previsivelmente difíceis, que António Carlos Ferreira Soares – médico do povo, humanista, intelectual, etnógrafo, contista, crítico, cidadão exemplar – aderiu ao PCP para, como ele próprio disse, ficar «mais perto do possível convívio e organização das massas populares». Viveu intensamente a sua vida breve, seguramente feliz pela opção que fez – uma opção que assumiu com a coragem e a lucidez de militante revolucionário, e que exemplifica claramente a nossa condição de comunistas.

 

Fonte de inspiração e coragem

 

O camarada Álvaro Cunhal, no seu livro O Partido com Paredes de Vidro, pergunta a dada altura: «donde nos vem a nós, comunistas portugueses, esta alegria de viver e de lutar? O que nos leva a considerar a actividade partidária como um aspecto central da nossa vida? O que nos leva a consagrar tempo, energias, faculdades, atenção, à actividade do Partido? O que nos leva a defrontar, por motivo das nossas ideias e da nossa luta, todas as dificuldades e perigos, a arrostar perseguições e, se as condições o impõem, a suportar torturas e condenações e a dar a vida se necessário?» – e responde que essa alegria de viver e de lutar, essa entrega total à actividade partidária e à luta sejam quais forem as circunstâncias existentes, nos vem da «profunda convicção de que é justa, empolgante e invencível a causa porque lutamos», vem do mais belo de todos os ideais, o ideal de liberdade, de justiça social, de paz, de fraternidade, de camaradagem, de solidariedade: o nosso ideal comunista.

Este ideal comunista que foi fonte de inspiração, de força, de coragem, na acção do camarada Ferreira Soares e é igualmente a sólida raiz da firme determinação dos comunistas de hoje, que lhes permite prosseguir a luta pelos objectivos pelos quais o camarada Ferreira Soares deu a sua vida. Esta luta que hoje travamos contra a política antipatriótica e de direita, e que prosseguiremos, incansavelmente, até a derrotarmos e a substituirmos pela política patriótica e de esquerda que os interesses dos trabalhadores, do povo e de Portugal exigem.

Uma luta que é sempre pela liberdade e pela democracia; sempre pela independência e soberania de Portugal; sempre tendo os valores de Abril como referência maior; sempre ao lado dos trabalhadores e do povo – e sempre tendo no horizonte o socialismo e o comunismo. E a firme determinação de prosseguirmos essa luta o tempo que for necessário, é a melhor homenagem, o melhor tributo à memória do camarada António Ferreira Soares.



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