Questão de sempre, para a resposta de sempre e fuga ao essencial
A Instituição Militar tem vivido e vive dias conturbados. Grassam o mal-estar e a desmotivação. Em vários aspectos está bloqueada. E não se pense que esta é uma situação resultante da denominada crise. Não! Há muito que as Forças Armadas têm vindo a ser metidas nesse beco. A situação actual do País só torna mais nítida a realidade existente.
Desde os governos de Cavaco Silva que aquilo a que se assiste é ao acumular de entorses ao funcionamento das Forças Armadas, nomeadamente com o ataque sistemático aos direitos dos militares. Tal acontece, ao contrário do que é recorrente ser dito no comentário político sobre a situação nesta área, não por falta de habilidade, peso político, inexperiência, falta de jeito, de sucessivos governos e ministros, mas por opção do PS, PSD e CDS-PP no quadro do acordo que há muito mantêm nesta área da governação.
Hoje, perante o mal-estar existente, aparece a pergunta de sempre: é preciso saber se o País quer Forças Armadas. A retórica pergunta terá, como sempre, a mesma resposta: o País não pode dispensar ter Forças Armadas. Precisa é de as adaptar às novas circunstâncias. Há 25 anos, pelo menos, que de tempos a tempos se assiste a esta rábula. A seguir já se sabe o que aí vem.
Já se sabe que o ministro Aguiar-Branco quebrará o seu período de silêncio, depois de polémicas afirmações que geraram legítimos sentimentos de repulsa, e anunciará a concretização de um conjunto de iniciativas ao longo dos próximos dois ou três meses: – surgirá um novo (mais um) conceito estratégico que assumirá de forma mais aberta o primado da Segurança e Defesa ao arrepio da Constituição da República. Surgirá a há muito atrasada revisão da Lei de Programação Militar, com a respectiva «desprogramação», cortes e protelamentos. Uma Lei que qualquer análise às sucessivas versões não deixará de pôr em evidência o seu desajuste com as necessidades e possibilidades nacionais e cuja revisão contribuirá para agravar a dramática situação da nossa indústria naval.
– surgirá mais uma de reorganização, com alteração de leis orgânicas da Instituição Militar que ainda não absorveu plenamente as alterações legislativas de 2009, com mais fusões e extinções que, em virtude de não resultarem de nenhuma opção estratégica, mas apenas de uma estreita visão economicista, poderão vir a constituir um novo foco de problemas.
– surgirá a «resolução» do problema do congelamento das promoções (só o colocar a questão deste modo já dá bem conta do ponto aonde se chegou) numa Instituição onde quase todos os meses há promoções. Aliás, se a «resolução» tiver mais uma vez como exigência única a visão curta do economicismo – tecto para promoções ou seja, a «funcionalização» dos militares e a desconfiguração funcional – e, tal como aconteceu com o sistema retributivo, não tiver em conta a estrutura hierarquizada a que se destina, não resolverá nenhum problema antes agravará outros já existentes.
– surgirá o complemento legislativo que falta no que respeita à saúde militar, naquilo a que se pode chamar «operação saúde», onde o que pontua é a retirada de direitos aos militares e famílias, e onde a componente da saúde operacional não está garantida.
Estas e outras medidas surgirão na linha de um discurso idêntico (provavelmente com o mesmo resultado) ao do seu parceiro de Governo Álvaro Silva Pereira «nós fazemos, não anunciamos».
Mas a questão central não está exclusivamente na acção governativa e da troika mas sim num programa cuja estratégia visa mais longe e mais fundo. Um programa que visa adequar a estrutura legislativa e administrativa a um futuro de plena integração numa política militar europeia de génese federal em articulação com a NATO.
Um modelo que tem puxado ao Ministério e ao ministro o papel político-estratégico e aos chefes militares a incumbência de ter militares prontos para partir. É o modelo de «forças de intervenção» em pleno.
Um modelo assente na partilha de meios e de poder, nomeadamente em áreas operacionais, na doutrina, no ensino e na formação, com a especialização do nosso País em apenas duas ou três capacidades. Por isso, pouco importará, por exemplo, ter navios parados, alguns a necessitarem de grandes revisões, ou não assegurar o mínimo de horas de voo aos pilotos da FAP.
Um modelo sustentado na nossa participação nas forças multinacionais, em que nunca faltará dinheiro para mandar 50 ou 100 militares algures para uma qualquer zona de intervenção, mesmo que seja com material emprestado.
Em suma, um modelo em que Portugal põe e a NATO dispõe, limitando a nossa acção e pondo em causa a soberania nacional.