Oposição a si mesmo

Jorge Cordeiro

Não bastassem os esforçados avisos que comentadores e analistas têm produzido anunciando, alto e bom som, o «regresso da oposição», ainda assim insuficientes para que alguém desse por isso, o novo secretário-geral do PS tratou de vir informar o País, em entrevista televisiva, que ali naquele ecrã quem estava à vista, mal grado a incompreensível distracção e a incorrigível falta de percepção de milhões de portugueses, era o «líder da oposição». Diga-se já que o efeito mais provável da empenhada iniciativa, e em particular do rebuscado raciocínio ali despendido, terá sido o de lançar confusão em mentes mais clarividentes ou até de fazer perder o Norte aos mais fervorosos seguidores da liderança. Na verdade, apresentar-se como «líder da oposição» e dar a conhecer o seu total e incondicional acordo com o «memorando de entendimento» é um exercício de pôr a cabeça à roda a qualquer simples cidadão e de fazer muitos socialistas perderem o Norte. E porque, até que seja desmentido o provado princípio, segundo o qual duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si, o que Seguro acabou por confessar com palavras próprias, arredada que seja a abundância de floreados e retórica, é que sendo o seu programa o da troika e sendo este o programa do Governo, o programa do PS é sem tirar nem pôr o programa do Governo de quem se diz oposição. Talvez por avisada prudência, não fosse poder concluir-se na linha de tão notável raciocínio que Seguro se opunha ao seu próprio programa, lá adiantou que o que os diferencia é a gradação da sua aplicação, assumindo-se assim como um zelador de excessos, uma espécie de figurante do género de ficar a guardar as costas dos que vão à vinha roubar uvas para saber se enchem o saco para lá do que combinaram.



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