Com o dedo no gatilho

Filipe Diniz

A ofensiva da classe dominante actualmente em curso tem a fasquia muito alta. Por isso alguns dos seus porta-vozes já deixaram de estar com meias palavras e dizem o que têm a dizer com toda a clareza.

Não se fala aqui, naturalmente, apenas de fascistóides que clamam por «partir a espinha» ao movimento sindical, ou dos que clamam pela criminalização da resistência dos trabalhadores ou pela ilegalização dos partidos comunistas. Fala-se dos que, cada um à sua maneira, repetem o «viva la muerte» do fascista Millán Astray.

Porque uma parte da ofensiva contra o chamado «Estado social» tem essa nota incluída. Nos EUA, um dos candidatos a candidato pelo Partido Republicano, Ron Paul, interrogado numa entrevista acerca do que poderia fazer-se se um indivíduo de 30 anos se encontrasse de repente necessitado de seis meses de cuidados intensivos e tivesse optado por não adquirir um seguro de Saúde, respondeu: «A liberdade é isso mesmo, é assumir os próprios riscos». E como o entrevistador perguntasse se o que a sociedade tinha a fazer então era simplesmente deixar essa pessoa morrer, os apoiantes de Ron Paul presentes responderam em coro: «Sim!».

É esse o sentido dos que vêem nas funções sociais do Estado uma despesa incomportável, de quem vive acima dos seus próprios meios. Para essa gente os direitos não são universais, são proporcionais aos meios económicos de cada um. E assim pensam a troika e aqueles que subscreveram o memorando e os brutais cortes na Educação, na Saúde, na Segurança Social que ele impõe.

Mas até folheando uma recente publicação do Eurostat («Key figures on Europe», 2011) surgem índices que não são certamente de quem vive acima dos seus recursos no que diz respeito aos direitos sociais: o nosso País tem a terceira mais alta taxa de abandono precoce do sistema de ensino, quase 2,5 vezes superior à média da UE27; tem dos mais baixos números de camas hospitalares por 100 000 habitantes, quase 2,5 vezes inferior ao da Alemanha; tem das mais baixas despesas em protecção social por habitante, menos de 2/3 da média da UE27. Do que se trata é simplesmente do país mais desigual da UE, cuja desigualdade a política de direita acha que chegou a altura de institucionalizar.



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