Comentário

Crise, desorientação e embustes

Image 8619

Setembro chegou com notícias de agravamento da situação das economias europeias. As estatísticas oficiais carregaram de negro as perspectivas, já de si sombrias, de há uns meses. A zona euro está praticamente estagnada. Confirma-se a recessão em Portugal, em franco aprofundamento. Na Grécia, os juros dos empréstimos a curto prazo rondam os 100 por cento, no mercado secundário. O país afunda-se, revelando os verdadeiros resultados e consequências do programa de «salvamento», de recorte idêntico ao aplicado a Portugal. Itália e Espanha, depois de emitirem dívida com juros recorde, vêem aproximar-se o prazo de vencimento de dívidas de largas dezenas de milhares de milhões de euros. E mesmo a Alemanha e a França enfrentam o espectro duma estagnação.

Nesta conjuntura é cada vez mais evidente a profunda desorientação em que mergulharam os principais responsáveis e instituições da UE. A incapacidade para resolverem a crise das dívidas soberanas é manifesta. Decisões apresentadas como soluções últimas e definitivas para a crise vão sucumbindo umas atrás das outras, resistindo cada vez menos tempo até ao próximo ataque dos especuladores. As soluções, no quadro do sistema, escasseiam – o que vai expondo, de forma cada vez mais evidente, os seus limites e contradições. A natureza reaccionária e os objectivos do processo de integração (capitalista) emergem com maior clareza. Entretanto, há quem pareça apostado em iludir uns e outros...

Alguns, assumindo uma postura crítica relativamente à condução dos destinos da UE, denunciando hesitações, ou mesmo erros, dos actuais líderes europeus, acenam com soluções ditas alternativas e urgentes. Soluções que permitiriam o regresso ao «paraíso europeu» dos pais fundadores e dos inspirados líderes com verdadeira dimensão europeia. Presume-se que se refiram àqueles que, certamente guiados pelo grandiloquente ideal da solidariedade europeia, por exemplo, procederam a sucessivos alargamentos da CEE/UE ao mesmo tempo que lhe reduziam o orçamento.

 

Os eurobonds e outros embustes

 

Dos conservadores e liberais à social-democracia (em Portugal: do CDS ao BE, passando pelo PSD e PS), de todos os lados vêm apelos à criação dos chamados eurobonds ou euro-obrigações. Um conhecido articulista da praça, ex-bloquista e ainda deputado no Parlamento Europeu, chegou a proclamar urbi et orbi que a criação de eurobonds, só por si, acabaria com a crise em poucas semanas. A própria Comissão Europeia (quem sabe se ouvindo-o...) diz ter já pronta uma proposta nesse sentido.

Não negando que, no imediato, a existência deste instrumento poderia permitir a certos estados, como Portugal, financiarem-se a taxas de juro mais favoráveis do que as que lhes são actualmente impostas (o que sempre se poderia conseguir de outras formas), a questão de fundo é outra. Por um lado, as dívidas têm causas estruturais – que os entusiastas dos eurobonds parecem esquecer (e nas quais não querem tocar!). Causas indissociáveis das assimetrias e desequilíbrios inerentes ao processo de integração (capitalista) europeia, entre as quais avulta a destruição dos sistemas produtivos mais débeis. Por outro lado, os eurobonds seriam o pretexto (assumido) para novos avanços no federalismo e para uma nova cavalgada sobre as soberanias nacionais. Um caminho que foi sendo consagrado nos tratados e que, percorrido nas últimas duas décadas, sempre levou ao agravar das causas estruturais acima referidas e dos seus efeitos.

No coro de apelos para uma maior integração económica e política, para uma maior harmonização de políticas (fiscais, orçamentais, etc.), entram auto-proclamados europeístas de todos os matizes.

A chamada governação económica e a ideia da criação de um ministro das finanças europeu são já expressão concreta (mas não acabada) desta pulsão federalista, que visa reduzir a quase nada as soberanias nacionais e, com elas, a própria democracia. Amarrando de pés e mãos os países e os seus povos, alargando o poder e as esferas de acção do directório que comanda os destinos da UE. Eternizando a ingerência, a submissão e o saque.

Se dúvidas restassem, Trichet, governador do BCE, dizia há dias em Bruxelas: «Os eurobonds reduzirão por certo significativamente (ainda mais) a margem de manobra dos estados em diversos domínios». Dias depois, Oettinger, o grotesco comissário alemão, sugeria que os governos nacionais dos países faltosos fossem substituídos por técnicos competentes das instituições europeias. A afirmação suscitou justificada indignação. Mas entre os indignados estão alguns dos que, pelo que vêm defendendo, parecem querer viabilizar esse caminho...



Mais artigos de: Europa

Defender o público

Dezenas de milhares de manifestantes desfilaram, no domingo, em várias cidades de Espanha contra os cortes na Educação e na Saúde. As greves em defesa do ensino público alastram a várias regiões.

Esquerda avança

O bloco de centro-direita, liderado pelo actual primeiro-ministro, Lars Loekke Rasmussen, foi derrotado nas eleições legislativas realizadas, dia 15, na Dinamarca, após dez anos de governação.

Solidariedade com Paleckis

O PCP, através da sua Secção Internacional, dirigiu uma carta à Frente Popular Socialista da Lituânia, em que expressa a «indignação» dos comunistas portugueses perante «o processo judicial de cariz fascizante movido contra o camarada Algirdas Paleckis,...

Otegi condenado a 10 anos

O tribunal especial espanhol condenou, dia 16, o dirigente basco Arnaldo Otegi a dez anos de prisão por «participação em organização terrorista no grau de dirigente». Os juízes deram como «provada» a sua participação e de outros quatro...

Sinn Fein vai às presidenciais

A direcção do Sinn Fein anunciou oficialmente, no domingo, 18, o seu apoio à candidatura de Martin McGuinness às eleições para a Presidência da Irlanda, que terão lugar em 27 de Outubro. A decisão de concorrer pela primeira vez à chefia do Estado...

Por emprego e direitos

Cerca de 50 mil trabalhadores de vários países europeus manifestaram-se, sábado, 17, em Wraclaw, na Polónia, onde decorreu a cimeira dos ministros das Finanças da UE. Na jornada, promovida pela Confederação Europeia de Sindicatos (CES), em...

Austeridade baixou salários

Nos 27 países que compõem a União Europeia apenas três registaram quedas no custo nominal do trabalho por hora no final do segundo trimestre, e estes são aqueles que se encontram sob programas de assistência financeira de Bruxelas e do Fundo Monetário Internacional:...

Direita perde em Berlim

A coligação governamental liderada por Angela Merkel voltou a sofrer um revés nas eleições regionais de Berlim, onde os seus parceiros liberais desapareceram do parlamento. Os sociais-democratas chefiados pelo actual edil da cidade, Klaus Wowereit, mantiveram-se como a força...