Minimizar medidas brutais
Depois da sua aprovação na generalidade, iniciada que foi a discussão na especialidade, a bancada ultima as suas propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2011.
Há alternativa de esquerda a este OE
Sem a pretensão de mudar a natureza de um documento que é todo ele mau e vai num sentido errado, as propostas da bancada comunista são em todo o caso uma tentativa de mitigar algumas das mais brutais repercussões do OE sobre a vida das pessoas e da economia.
Este não é porém o único mérito das propostas subscritas por quem não se conforma com um orçamento que agrava as desigualdades sociais e impõe ao povo e ao País pesados sacrifícios, em obediência aos interesses da alta finança, à estratégia dos grandes grupos económicos e aos ditâmes de uma União Europeia sob o jugo do eixo franco-alemão. Com o vasto e articulado conjunto de propostas da sua autoria o que o Grupo Parlamentar do PCP, consegue demonstrar de igual modo é que este Orçamento do Estado da responsabilidade política do PS e do PSD, e as opções e prioridades nele contidas, não são uma inevitabilidade, pelo contrário, existem soluções e um caminho alternativo, uma alternativa patriótica e de esquerda.
A essa «espécie de ditadura do inevitável» sob a qual PS e PSD querem conduzir o País, «tudo justificando com o argumento de que não há alternativa», como bem sublinhou o líder parlamentar comunista, respondem os comunistas afirmando convictamente que «sim, há alternativa!»
«O que não é possível é não haver alternativa, porque isso significaria não haver esperança, não haver futuro», salientou Bernardino Soares na recta final do debate na generalidade.
Uma alternativa que em termos do Orçamento do Estado, na perspectiva do PCP, passa pelo aumento real dos salários, das reformas e pensões (visando não apenas o combate à pobreza mas a dinamização do crescimento económico), bem como por um aumento do investimento público capaz também ele de induzir o crescimento, sem esquecer uma mais justa tributação fiscal quer no capítulo da receita quer da despesa.
Pela justiça fiscal
É guiada por estes princípios, pois, que a bancada comunista redige as suas propostas de alteração ao OE, a apresentar por estes dias em sede de debate na especialidade.
Propostas, algumas delas, que tiveram já anúncio antecipado, como foi o caso do pacote de vinte medidas aprovado nas Jornadas Parlamentares do PCP em 12 de Outubro, com incidência no aumento da receita fiscal e da redução da despesa fiscal, a par do corte na despesa e do combate ao desperdício de dinheiros públicos no futuro.
A criação de um novo imposto sobre as transacções bolsistas e transferências para paraísos fiscais, tal como a tributação extraordinária do património imobiliário de luxo ou a tributação agravada sobre bens de luxo são três das medidas a propor no que respeita ao aumento da receita fiscal, capítulo onde se destacam aindas duas outras propostas de grande alcance: a tributação das mais-valias bolsistas e a aplicação de uma taxa efectiva de IRC de 25 por cento à banca e aos grandes grupos económicos.
No plano da redução da despesa fiscal, entre as várias propostas a formalizar, destaque para a que vai no sentido de suspender o regime fiscal no off-shore da Madeira a empresas não financeiras, tributando-as à taxa de IRC de pelo menos 12,5%, sendo de relevar, por outro lado, a proposta que reduz de quatro para três anos o período em que são permitidas deduções de prejuízos fiscais aos lucros tributáveis das empresas.
Salvar a política de direita
O PSD está comprometido até às orelhas com esta política e com o Orçamento do Estado. Identificação com as mesmas orientações da política de direita que determinam o rumo de desastre do País já lá vão mais de 30 anos.
Esse é um facto insofismável, não obstante as tentativas de o disfarçar ou encobrir, como voltou a ficar patente no debate na generalidade onde se assistiu à ruidosa farsa de o PSD simular discordâncias para camuflar o seu real acordo com as propostas do Orçamento do Estado.
O líder parlamentar laranja Miguel Macedo, em registo inflamado, chegou mesmo a afirmar que, depois do PEC II, firmado o acordo com o PS para o OE, o seu partido voltara a «dar a mão ao País» na certeza de que seria a última, não estando disponível para dar ao Governo uma «terceira oportunidade».
Não obstante o alarido, certamente já com os olhos em eleições, a verdade é que a encenação não produziu os efeitos desejados pelos seus autores, ficando demonstrado que nada separa PS e PSD quando se trata de salvar a política de direita.
Bernardino Soares provou-o de forma clara ao assinalar que o PSD «finge não estar de acordo com o OE» mas a verdade é que está de acordo com tudo o que nele é estrutural e dele resulta, como sejam a recessão e o aumento do desemprego, o corte nos salários, o congelamento das reforças e pensões, o estrangulamento dos serviços públicos, o aumento dos impostos, o corte no subsídio de desemprego, a retirada do abono de família e de outras prestações sociais, o corte no investimento público, as privatizações, a manutenção dos benefícios à banca e aos grandes grupos económicos.
As propostas da bancada comunista em sede de especialidade, impedindo que o PSD fuja às suas responsabilidades, mostrarão de novo até onde vai o seu grau de comprometimento com um Orçamento que agrava para níveis insuportáveis a vida das classes trabalhadoras. Esse é um teste a que a bancada laranja não escapará.
Degradar o Estado Social
Uma das falácias na argumentação do primeiro-ministro no debate na generalidade do OE foi a de que não havia diminuição nas prestações sociais.
A bancada comunista denunciou com veemência a mentira chamando a atenção para a circunstância de o peso das prestações sociais em relação ao PIB ter baixado de 22,4 por cento para 21,6 por cento. Mas foi mais longe e, falando da perda de peso das funções sociais no OE, demonstrou que essa redução em percentagem do PIB de 2010 para 2011 passa de 18,2 por cento para 16,4 por cento, ou seja, uma quebra de quase dois pontos percentuais.
«O primeiro-ministro e o seu Governo não são os defensores do Estado Social, são antes os carrascos do Estado Social», concluiu por isso o presidente do Grupo parlamentar do PCP, que alertou ainda para os cortes nos serviços de saúde e nas suas respostas, já hoje com sérias dificuldades, face à drástica redução no orçamento do Serviço Nacional de Saúde de 1 058,7 milhões de euros.
Daí que Bernardino Soares não tenha hesitado em concluir ser uma «verdadeira amputação do Serviço Nacional da Saúde» o que o Governo de José Sócrates e o PSD pretendem concretizar com este orçamento.
Outros dados foram ainda trazidos a debate pela voz dos deputados comunistas como o corte de 984 milhões de euros projectado para a Segurança Social, enquanto o Ministério da Educação sofre um golpe de 884 milhões de euros e o Ensino Superior uma machadada de 367 milhões.
Contas feitas, são 2 835 milhões de euros de cortes nas áreas sociais, o que levou o deputado comunista Honório Novo a sublinhar que o «Orçamento do Estado de parceria» entre PS e PSD visa, em suma, degradar ainda mais o Estado Social».
O povo é que paga
«A repartição equilibrada do esforço de consolidação orçamental», que disse ser a prioridade máxima de um OE para «proteger o País da turbulência dos mercados», foi uma das teorias mais defendidas por José Sócrates no debate na especialidade.
A ideia de que o Governo está preocupado com uma justa distribuição nos sacrifícios com vista a reduzir o défice e consolidar as contas públicas não resiste porém a uma simples confrontação com a realidade.
É que, como denunciaram os deputados comunistas, assume uma dimensão chocante o contraste entre os sacrifícios pedidos às classes trabalhadoras e a folga, mordomias e benesses concedidas ao capital financeiro e aos grandes grupos económicos.
Lembrados foram, por exemplo, os escandalosos lucros da banca e das principais empresas cotadas em bolsa nos primeiros nove meses deste ano. Os quatro maiores bancos privados obtiveram 1 122,2 milhões de euros, qualquer coisa como 4,1 milhões por dia, o correspondente a um aumento de cinco por cento.
A PT, por seu lado, viu os lucros dispararem para os 5 617,7 milhões de euros, um aumento de 1 407 por cento, sendo que 1 500 milhões serão desde já distribuídos pelos accionistas. E tudo, que se saiba, como observou Bernardino Soares, «sem pagar um tostão» sobre a venda da brasileira VIVO feita através de uma sociedade holandesa.
No caso da Brisa os seus lucros ascendem a 401,7 milhões de lucros, mais 282 por cento, enquanto a Galp viu os seus cofres reforçados com 266 milhões, mais quase 50 por cento.
Destaque ainda para a Portucel, com os lucros a elevarem-se aos 154,3 milhões de euros, mais 112 por cento, atingindo a Jerónimo Martins os 193 milhões, mais 40 por cento.
«Como é que alguém perante estes números se atreve a vir pedir mais sacrifícios aos portugueses?», inquiriu o líder parlamentar do PCP, não escondendo a sua indignação, tanto mais que – coube-lhe ainda anotar o facto – a previsível receita de IRC em 2011 vai descer 2,7 por cento.
Daí concluindo que «quanto mais aumentam os lucros mais descem os impostos pagos pelas grandes empresas e nalguns casos, como declarou o banqueiro Ricardo Salgado, os lucros aumentam à conta dos impostos que se pagam a menos».
É também por esta razão que o Governo, na opinião do PCP, apesar de muito instado a fazê-lo, nada adiantou quanto ao montante da receita da nova contribuição dos bancos. «É que se de facto chegar a existir será irrisória», foi a convicção manifestada pelo presidente da formação comunista.