«É nosso! É nosso!»
A Festa do Avante! passou por cinco locais diferentes até se estabelecer na Quinta da Atalaia. Por três vezes o poder do Estado capitalista «sacudiu» os comunistas e a sua Festa. Terreno após terreno, a burguesia acrescentou dificuldades, destilando ódio de classe contra o mais consequente defensor das conquista da revolução de Abril - o Partido da classe operária e de todos os trabalhadores.
«Havia uma grande confiança no Partido e nos métodos de trabalho implementados na campanha»
Tudo começou em 1976, na FIL, quando «na madrugada do dia em que a Festa abria, a central eléctrica foi sabotada, sendo necessário recolocá-la em funcionamento», lembrou Carlos Costa em entrevista ao órgão central do PCP.
De todo o modo, a grandeza da iniciativa evidenciou a exiguidade daquele espaço. «A arrumação era tal que tornava a realização da Festa na FIL um perigo. Para passar a porta do edifício formavam-se filas. É um facto que nos negaram o local, mas a verdade é que não havia condições. Daí termos seguido para o Vale do Jamor, onde fizemos três festas», continuou.
«Fomos então expulsos com o pretexto de que se iria fazer um complexo desportivo. Uma mentira para nos tirar de lá. Colocaram-nos a hipótese do Alto da Ajuda e julgavam que nós não aceitávamos por causa do terreno. Aquilo era de basalto, não tem nada a ver com o actual terreno da Quinta da Atalaia», explicou Carlos Costa.
Em 1986, «na altura em que construíamos a Festa, o Abecassis chamou-nos e disse que não podia ser, que em Setembro iria começar a construção de um campus universitário. Recomeçámos a procurar terrenos. Encontrámos um no Infantado, em Loures, onde fizemos duas Festas. Mas aquilo era um terreno privado, uma solução provisória e não era para aquele efeito», sublinhou.
«Chegámos à conclusão nos organismos executivos do Partido que precisávamos de um terreno que não nos obrigasse, ano após ano, a retirar todas as infra-estruturas; que nos libertasse das datas, dos prazos, dos preços e exigências, algumas absurdas», referiu, por seu lado, Joaquim Gomes também em conversa com o Avante!.
Decisão de classe
Na hora de procurar espaços, impunham-se critérios. Margem Norte ou Sul do Tejo?
«Havia camaradas que achavam que o terreno devia ser encontrado na margem Norte. Outros entendiam que, na Margem Sul, com um certo grau de probabilidade havia um terreno disponível e, ainda por cima, a Festa ficaria num local de forte implantação do Partido, o que garantia uma defesa natural, por assim dizer». Afinal, «tratava-se de adquirir um terreno para a realização permanente da Festa», disse Carlos Costa.
Já para Joaquim Gomes, «se a questão era estarmos entre a “nossa família”, ali, na Margem Sul, ela era muito mais numerosa».
Ultrapassadas as perspectivas de encontrar um terreno em Sintra, Oeiras, Cascais ou Loures, surge a hipótese da Quinta da Atalaia durante as prospecções realizadas a Sul do Tejo. «Tinha condições excepcionais quer no espaço quer nas vistas, quer nos acessos», recordou Joaquim Gomes.
«Era uma zona lindíssima junto ao Mar da Palha, e incluía uma rua ao longo do rio que é nossa», frisou, por sua vez, Carlos Costa. «Falámos com o caseiro, uma personagem curiosa, muito sagaz e atento. Penso que pode ter desconfiado. É que os compradores não tinham ar de capitalistas», gracejou. «Mas não disse nada, foi sempre muito simpático», aduziu.
A Quinta era uma vinha com adega. Tinha mais de 25 hectares descobertos e alguns metros quadrados com edificações. Em face de tais condições, os organismos executivos do Partido decidiram logo que era aquele o local escolhido para instalar definitivamente a Festa. Havia que negociar com os proprietários, uma família de «ingleses vinhateiros», disse Joaquim Gomes.
A negociação acabou por ser mais trabalhosa do que se previa, já que envolvia um proprietário residente em Portugal e um outro residente em Inglaterra que se fazia representar por um solicitador, precisou Carlos Costa na entrevista que concedeu ao Avante!.
Chegou-se a acordo por 150 mil contos a pagar em três tranches iguais. «A 1.ª no acto da assinatura do contrato de promessa de compra e venda, paga a 16 de Agosto de 1989; a 2.ª daí a seis meses, aquando da assinatura da escritura; e a 3.ª outros seis meses a contar dessa data», explicou.
«Contudo nós fizemos um grande esforço e, logo a 5 de Setembro de 1989, pagámos a 2.ª tranche de 50 mil contos e assinámos a escritura. A partir daqui o terreno era nosso, embora tenha ficado uma cláusula que garantia aos ingleses um certo direito de propriedade até que saldasse-mos a 3.ª tranche», contou ainda Carlos Costa.
Três dias depois, iniciava-se a Festa do Avante! na Quinta do Infantado, a última em Loures e a derradeira que obrigou o PCP a desmontar completamente todas as estruturas e materiais usados durante os dias da Festa.
Arranca a campanha…
Logo de imediato, na Festa de 1989, arranca a campanha de fundos destinada a angariar os 150 mil contos necessários à compra da Quinta da Atalaia. «Foi um êxito que superou outras campanhas até então realizadas, como, por exemplo, a realizada para a compra desta sede [Soeiro Pereira Gomes]», afirmou Carlos Costa.
«Atingimos, à época, quase 200 mil contos em fundos», lembrou. «Havia uma grande confiança no Partido e nos métodos de trabalho implementados na campanha», a qual, frisou ainda, «era acompanhada quinzenalmente na Comissão Política».
«Até porque – prosseguiu -, não se tratava apenas de adquirir o terreno. Era necessário fazer as infra-estruturas. Estão ali empenhados muitos e muitos milhares de contos».
Os Títulos de Comparticipação tinham vários valores. Iam dos 1000 aos 100 000 escudos. Mas para além disso aceitava-se tudo o que se quisesse dar para a campanha, incluindo materiais de construção, ferramentas, um «conjunto de valiosas contribuições dada a tarefa que tínhamos pela frente», considerou Joaquim Gomes. «Transformar uma vinha naquilo que é hoje a Festa não foi uma brincadeira», notou.
…e as jornadas de trabalho
E foi precisamente essa a tarefa que, a par da campanha, o Partido empreendeu.
Ao mesmo tempo que se realizavam excursões de militantes e amigos do PCP vindas de todo o País para visitar a Quinta da Atalaia – «iniciativas especiais» que quase sempre «terminavam com a doação entusiasmada de uma determinada quantia», referiu Joaquim Gomes – havia que deitar mãos à obra para que, em Setembro de 1990, a Festa se pudesse realizar no terreno adquirido pelo Partido. Foi imediatamente feito um projecto, o qual acabou necessariamente alterado.
Nas entrevistas ao Avante!, Carlos Costa e Joaquim Gomes relembraram, respectivamente, que não só «não podíamos executar tudo de uma vez» e, por isso, «durante anos os lucros da Festa foram, no essencial, investidos no terreno», como, ano após ano, a cada edição na Quinta da Atalaia, a própria Festa «mostrava o que era preciso fazer».
Nesta primeira gigantesca empreitada iniciada em 1990, o PCP contou com o trabalho generoso de milhares de pessoas. «Encontrei lá não só militantes e simpatizantes do PCP, mas gente do PS e mesmo do PPD. As jornadas de trabalho transformaram-se em momentos de reforço do espírito de Partido, de unidade e camaradagem. Momentos formidáveis de solidariedade, fraternidade e entreajuda que temos que continuar a cultivar».
«É evidente que aquele grito do “É nosso! É nosso!”, multiplicou os entusiasmos», salientou Carlos Costa, para quem a influência política, social e eleitoral do Partido foi, no entanto, determinante.