Abotoou-se...

De vez em quando, surgem notícias - ou apenas «bocas», rumores, boatos - a exigirem toda a atenção dos baixos sentimentos de inveja que moram no fundo de cada um de nós. Falam dos rendimentos de jogadores de futebol, de gestores, de entertainers e outras figuras do jet-set, misturando nomes e exibindo os milhares e milhões de euros que recebem por fazerem o que fazem.
Outras falam de não se sabe quantos milhões, recebidos não se sabe por quem, de negócios em que o Estado pagou ou ainda está a pagar.
No sábado, o Correio da Manhã deu-nos mais uma história daquelas. Nada de especial, nada do foro criminal, nada que não seja até normal: um português comprou um barco.
Os detalhes pouco acrescentam ao inextraordinário carácter da notícia. João Tiago Silveira, secretário de Estado da Justiça e porta-voz do PS, comprou um iate, por 130 mil euros, ao patrão da Tecnovia. Já teve, entre 2001 e 2006, outro barco de recreio, com 11,69 metros. Declarou no Tribunal Constitucional um rendimento anual de 80 mil euros e, para comprar este Grand Soleil 40R, pediu um empréstimo ao banco, tal como tinha feito para comprar um apartamento. Ah! E gastou ainda mil euros para ter no iate-bólide GPS, radar e outros equipamentos.
Alimentando os baixos sentimentos de nós todos, o matutino - a quem um porteiro carrancudo não deixa entrar no clube dos «jornais de referência» - revela ainda que o herói da notícia nasceu em 1971, licenciou-se e fez o mestrado em Direito na Universidade de Lisboa, onde foi docente desde 1993. Para membro do Conselho Superior do Ministério Público foi eleito no Parlamento.
Nesta altura, à inveja junta-se a curiosidade... Qual quê? A pura coscuvilhice! «Ó deuses da Internet, falem-me lá sobre este rapaz, tão novo e tão bem sucedido», apela o pouco defendido leitor do CM. Mas as respostas são irrelevantes: o herói da notícia é filho do presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados, eleito na AR e em funções desde 2001; conheceu António Vitorino nas europeias de 1994 e um ano depois era seu adjunto no Ministério da Presidência; demitido Vitorino, passou a lidar com António Costa, na Justiça; com o PSD no Governo, teve lugar de consultor na sociedade de advogados de Morais Leitão e Galvão Teles; saiu para secretário de Estado, em 2005, e desde Junho também desempenha no PS as funções que foram de Vitalino Canas.
Quantas mais histórias destas não haverá por aí - com muito mais ou com um pouco menos, no volume dos factos, e com D ou pouco mais na sigla partidária -, sem merecerem honras de publicação? Por que foram agora perturbar João Tiago, fazendo dele o herói de uma notícia sem interesse? O que sobre ele se fica assim a saber é normal, num país em que um quinto da riqueza nacional está nas mãos das famílias detentoras das cem maiores fortunas e em que, apesar da «crise», os grandes grupos económicos e financeiros continuam a obter lucros muito volumosos. O Estado concedeu benefícios fiscais de quase dez mil milhões de euros, desde 2005, a nível do IRC (o imposto sobre o lucro), 85 por cento dos quais ficaram em empresas do off-shore da Madeira! Os benefícios fiscais às empresas aumentaram quase 50 por cento, enquanto os que são concedidos ao comum do cidadão diminuíram! A banca, se pagasse a taxa legal de imposto, teria desembolsado para os cofres públicos, nestes últimos quatro anos, mais 1300 milhões de euros! E ocupam duas páginas com «isto»?
O herói da notícia levantou-se, abotoou o casaco e saiu displicentemente do jornal.
Na página do lado, o patrão da CIP, Van Zeller, regougava outra vez: «O salário mínimo não pode aumentar!»


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