A lei e a luta
António Monteiro Fernandes, que andou durante um ano ocupado com os afazeres de presidente da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais (a preparar a argumentação e as propostas que, finalmente, o Governo acabou por assumir na sua proposta de revisão do Código do Trabalho) confessou à Lusa, no dia do debate na Assembleia da República: «Tenho uma visão pouco entusiástica acerca do papel verdadeiramente transformador das leis do Trabalho, que levantam sempre uma enorme polémica, que me parece desproporcionada em relação à sua importância efectiva». A despreocupação declarada do antigo secretário de Estado do Trabalho de Guterres contrasta claramente com os meios que este Governo destinou à alteração das leis do Trabalho, na senda dos que promoveram anteriores «pacotes» laborais.
Outros especialistas manifestaram preocupações, algumas bem graves, no dia 16, no debate que a CGTP-IN levou a cabo, no auditório do «edifício novo» da AR. As dissertações podem ser ouvidas no sítio Internet da confederação, mas os relatos publicados ilustram bem a contradição com a «visão pouco entusiástica» do ex-governante.
Fausto Leite e Jorge Leite, por exemplo, apontaram inconstitucionalidades várias. Tendo por base que as partes não estão em igualdade, na relação laboral, a Constituição reconhece a contratação colectiva como um direito dos trabalhadores; mas o Governo quer inscrever na lei que esse é também um direito do empregador. Nos processos disciplinares, deixaria de ser respeitado o princípio do contraditório. O período de experiência (seguido de despedimento a custo zero) passaria de três para seis meses, as convenções colectivas ficariam à mercê do «terrorismo» patronal...
António Casimiro Ferreira - que se demitiu da Comissão do Livro Branco e agora reconheceu, como Júlio Gomes, ter aceite a missão com «ingenuidade» - explicou no debate da Inter que o que está em causa é o custo do trabalho, servindo esta revisão «empresas cuja actividade assenta em mão-de-obra pouco qualificada». E afirmou que a competitividade e a produtividade «não se resolvem no Código do Trabalho», desmentindo as públicas «preocupações», que têm justificado todas as alterações às leis laborais nas últimas três décadas.
O pensamento de Monteiro Fernandes ficou mais claro quando tratou as alterações no regime dos despedimentos, explicando que, «avançou-se com uma simplificação, para desmistificar a grande solenidade de que estão rodeados». Como cereja no bolo, o comissário-chefe do Código de Vieira da Silva quis descansar as audiências, declarando ainda que, na contratação colectiva, «não há grandes mexidas». Sim, «mantém-se a ideia de caducidade», mas isso apenas para «dinamizar» as negociações, e «no futuro», tal princípio «é para afastar». Claro, se os direitos dos trabalhadores deixassem de ter suporte nas leis laborais e nos contratos de trabalho, aquilo que restasse poderia vigorar para sempre.
Que patrões não ficam descansados com estas declarações? A inquietação deles renasce quando se recordam de que, mesmo quando as leis e as polícias davam aos da sua classe todas as razões para estarem descansados, intensificando a exploração dos trabalhadores, estes acabavam por responder com a luta e até obtinham importantes conquistas, que as leis e a contratação colectiva por fim vieram consagrar.
DM
Outros especialistas manifestaram preocupações, algumas bem graves, no dia 16, no debate que a CGTP-IN levou a cabo, no auditório do «edifício novo» da AR. As dissertações podem ser ouvidas no sítio Internet da confederação, mas os relatos publicados ilustram bem a contradição com a «visão pouco entusiástica» do ex-governante.
Fausto Leite e Jorge Leite, por exemplo, apontaram inconstitucionalidades várias. Tendo por base que as partes não estão em igualdade, na relação laboral, a Constituição reconhece a contratação colectiva como um direito dos trabalhadores; mas o Governo quer inscrever na lei que esse é também um direito do empregador. Nos processos disciplinares, deixaria de ser respeitado o princípio do contraditório. O período de experiência (seguido de despedimento a custo zero) passaria de três para seis meses, as convenções colectivas ficariam à mercê do «terrorismo» patronal...
António Casimiro Ferreira - que se demitiu da Comissão do Livro Branco e agora reconheceu, como Júlio Gomes, ter aceite a missão com «ingenuidade» - explicou no debate da Inter que o que está em causa é o custo do trabalho, servindo esta revisão «empresas cuja actividade assenta em mão-de-obra pouco qualificada». E afirmou que a competitividade e a produtividade «não se resolvem no Código do Trabalho», desmentindo as públicas «preocupações», que têm justificado todas as alterações às leis laborais nas últimas três décadas.
O pensamento de Monteiro Fernandes ficou mais claro quando tratou as alterações no regime dos despedimentos, explicando que, «avançou-se com uma simplificação, para desmistificar a grande solenidade de que estão rodeados». Como cereja no bolo, o comissário-chefe do Código de Vieira da Silva quis descansar as audiências, declarando ainda que, na contratação colectiva, «não há grandes mexidas». Sim, «mantém-se a ideia de caducidade», mas isso apenas para «dinamizar» as negociações, e «no futuro», tal princípio «é para afastar». Claro, se os direitos dos trabalhadores deixassem de ter suporte nas leis laborais e nos contratos de trabalho, aquilo que restasse poderia vigorar para sempre.
Que patrões não ficam descansados com estas declarações? A inquietação deles renasce quando se recordam de que, mesmo quando as leis e as polícias davam aos da sua classe todas as razões para estarem descansados, intensificando a exploração dos trabalhadores, estes acabavam por responder com a luta e até obtinham importantes conquistas, que as leis e a contratação colectiva por fim vieram consagrar.
DM