Gato por lebre

Anabela Fino
A proposta de lei do Código de Trabalho que o Governo se prepara para aprovar na rentrée político-parlamentar, após o simulacro de debate público em pleno período de férias, mereceu o acordo das confederações patronais e da UGT, mas está a suscitar cada vez mais preocupações aos directamente interessados, isto é, aos trabalhadores.
Entre outros aspectos lesivos dos direitos de quem trabalha está a famigerada questão do «banco de horas», apresentada normalmente como fundamental para a «necessária» flexibilidade de horários, a nova panaceia empresarial para o sempre tão almejado aumento da competitividade a baixo custo.
A ideia é simples e pode mesmo ser vista, numa análise superficial, como vantajosa para ambas as partes: deixando de haver um horário fixo, as empresas podem passar a usar o tempo de trabalho dos assalariados como melhor lhes convier, enquanto os trabalhadores passam a trocar as horas «extras» para descanso e/ou actividades pessoais.
No mundo do faz de conta, uma tal (des)organização do horário de trabalho podia resultar numa harmoniosa convivência entre empregadores e empregados, tipo hoje ficas até mais tarde que me dá jeito, amanhã vou às aulas que estou a precisar de formação, esta semana escusas de vir antes das 11h, para a semana saio mais cedo e vou buscar os putos à escola...
Sucede porém que na real as coisas são bem diferentes. Com o «banco de horas», o que se prefigura no horizonte do trabalhador não é apenas – e já não seria pouco – o desregulamento da sua vida pessoal, com a impossibilidade de conjugar períodos de descanso com a família ou com o que ainda resta para além do trabalho, como também a ameaça efectiva de ver reduzido os proventos, regra geral magros para tão gordos meses. É que este «banco de horas» esconde – mal, diga-se de passagem – uma autêntica urna para o pagamento das horas extraordinárias. É caso para dizer que o Governo Sócrates, de mãos dadas com os patrões e a sempre prestável UGT, estão a querer vender gato por lebre, como se o pessoal não soubesse há muito que nem tudo o que luz é ouro.


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