Dar mais força à luta das mulheres

Fernanda Mateus (Membro da Comissão Política do PCP)
A reflexão levada a cabo no Encontro Nacional do PCP sobre os direitos das mulheres, realizado a 10 de Maio, com base no Documento de Apoio e intervenções proferidas, representa um importante instrumento de análise das causas e dos responsáveis pela acentuação das injustiças e discriminações das mulheres nas esferas pública e privada, bem como dos caminhos para lhes dar combate e assegurar o êxito da sua luta emancipadora.

À prolongada ofensiva política associa-se uma fortíssima ofensiva ideológica

De facto, o Encontro afirmou a necessidade de dar mais força à luta organizada das mulheres contra os graves problemas com que a grande maioria se confronta, com vista ao desenvolvimento da luta de massas, que obrigue à ruptura com as políticas de direita, condição indispensável para o cumprimento dos direitos das mulheres e a sua participação em igualdade, no trabalho, na família e na vida social e política.
Diz este Documento: «Nos últimos trinta anos, na evolução da situação das mulheres registam-se dois processos de sentido antagónico: por uma lado, o significado e o alcance da Revolução de Abril e da luta que tem sido travada em defesa das suas conquistas e direitos, e em sentido inverso as negativas consequências das políticas de direita que têm pautado a acção de sucessivos governos. Estas políticas assentam na perpetuação das velhas formas de exploração e dominação das mulheres, o que é visível no agravamento das injustiças, das desigualdade e discriminações que pesam sobre as mulheres que vivem do seu salário ou da sua pensão».
Mais, a esta prolongada ofensiva política associa-se uma fortíssima ofensiva ideológica, que «para lá das diferenças no discurso – mais igualitário ou mais retrógrado – dos sucessivos governos do PSD e do PS, em que convergem perigosas concepções ideológicas em matéria de igualdade, subordinadas e convergentes com as orientações do capitalismo internacional, designadamente no quadro da UE.»
Os governos tentam justificar o malogro das suas políticas de igualdade com a persistência das representações sociais de mulheres e de homens, atribuindo à divisão assimétrica do trabalho no seio da família (esfera privada) as desigualdades das mulheres no trabalho (esfera pública). Procuram, assim, iludir o impacto das políticas económicas e sociais na perpetuação da divisão sexual de papéis na família, no trabalho e na sociedade, de forma a «concluir» que a solução para as desigualdades entre sexos passa por um maior envolvimento dos homens no domínio da esfera privada. A responsabilidade cabe, assim, individualmente à mulher (ou o casal) e à boa vontade do mercado.

Ofensiva ideológica prossegue

Nesta ofensiva ideológica, para a qual os sucessivos governos têm procurado aliados junto das organizações de mulheres e dos meios académicos, converge a disseminação de argumentos de fácil aceitação, aparentemente «desideologizados» e «despartidarizados», que imputam as causas da desigualdade e discriminação das mulheres a razões de natureza estritamente cultural, ou seja, as mulheres constituiriam uma classe, ou uma categoria social a que se oporia uma outra classe ou categoria social – os homens. Uma concepção, pois, assente no «confronto» ente homens e mulheres, erigido como principal fonte de conflito, em que o estatuto social das mulheres dependeria das relações entre mulheres e homens na família.
No Encontro do PCP sobre os direitos das mulheres foi amplamente debatido os aspectos desta ofensiva ideológica e a necessidade de combater estas teorias falsas e elitistas teorias, ditas igualitárias sobre os direitos das mulheres mas que se limitam a representar a resposta possível das classes dominantes às reivindicações e aspirações das mulheres, que afinal estiveram no centro da luta das mulheres ao longo go século XX e para as quais a Revolução de Outubro foi decisiva.

Romper com a política de direita

É, pois, num quadro em que o Governo PS/Sócrates é responsável pela mais grave ofensiva aos direitos das mulheres – que tem ajudado, aliás a engrossar o grandiosa luta de massas que se verifica contra a sua política – que, em Junho, se realiza o Congresso Feminista, que – diga-se – contou com uma mais que generosa cobertura mediática, que contrastou de forma inegavelmente visível com a sistemática ausência de cobertura noticiosa das iniciativas de diversas organizações de mulheres. Este Congresso contou, por outro lado, com a presença de destacados membros do Governo e dirigentes do PS, do PSD e do BE que apoiam os seus objectivos: «dar visibilidade aos feminismos como corrente plural de pensamento e de acção na sociedade portuguesa; envolver diversos sectores sociais, culturais, associativos e políticos de forma a que os feminismos se projectem como uma forma de reconfigurar a própria democracia e a participação cidadã (...)»
Enfim, objectivos que não combatem nem põem em causa as políticas de direita; que não responsabilizam os partidos que a tem realizado ou/e apoiado; não rompem com a natureza de classe das políticas realizadas nos últimos 30 anos; não afrontam o sistema capitalista; não apontam para a transformação social.
Atente-se ao sentido da intervenção de Jorge Lacão, membro do actual Governo PS/Sócrates, no encerramento do Congresso Feminista, organizado pela UMAR, em que este destaca que Portugal tem «ainda que andar muito para consagrar na prática o que já está consagrado na lei» no que respeita à igualdade de género, mostrando a convicção de que existe «ainda muita gente com medo da igualdade das mulheres».
Isto, quando é sabido que o Governo PS/Sócrates tem protagonizado a mais grave ofensiva contra os direitos das mulheres dos últimos 30 anos, aprofundando brutalmente as desigualdades e discriminações da grande maioria das mulheres no trabalho, na família, na vida social e política. Uma ofensiva que, a não ser interrompida, representa um perigoso retrocesso na condição das mulheres e nos seus direitos económicos, sociais e políticos, conquistados em Abril e consagrados na Constituição.
Acontece que o desenvolvimento da luta de massas e a fortíssima adesão de mulheres evidencia também a crescente consciência de que é preciso afrontar as forças que animam e apoiam a política de direita que o Governo PS/Sócrates leva a cabo. É este o caminho.


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