Comentário

Agricultura e política alimentar

Ilda Figueiredo
As diversas crises que estamos a viver tornam mais clara a importância da agricultura para uma alimentação saudável. Para que a população tenha acesso a bens alimentares de qualidade é necessário que o seu preço seja acessível. Ora, no momento em que a maioria da população tem baixos rendimentos, designadamente trabalhadores, reformados e desempregados, e se vêem confrontados com preços elevados dos bens alimentares, enquanto pequenos e médios agricultores continuam a ter de abandonar a agricultura por não suportarem o aumento dos custos dos factores de produção e não conseguirem o escoamento dos seus produtos a preços que lhes garantam um rendimento digno, impõe-se uma alteração radical da política agrícola comum (PAC). As sucessivas reformas da PAC, sobretudo desde 1993, apostaram na progressiva liberalização da agricultura, e, desde 2003, iniciaram a dissociação das ajudas à produção, contribuindo para o abandono da agricultura e a diminuição da produção, agravando todas as injustiças anteriores, já que alguns recebem grandes apoios sem produzir, só por serem proprietários da terra, e outros, que trabalham e produzem, não recebem nada, ou recebem muito pouco.
Ora, nas propostas sobre o «estado de saúde da PAC» que estão em debate no Parlamento Europeu, a Comissão Europeia insiste nas mesmas orientações neoliberais dos últimos anos, para subordinar a agricultura às regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). Entretanto, o Comissário Mandelson, em defesa dos interesses de grupos económicos e financeiros europeus, quer usar a agricultura como moeda de troca para desbloquear as negociações da OMC, trocando serviços e tecnologias pela agricultura. Tal posição só contribuirá para agravar a situação existente, mantendo lucros fabulosos dos que vivem da especulação no comércio internacional de cereais e outros bens alimentares essenciais, da agro-indústria e da grande distribuição alimentar. O que é um escândalo, dado que são lucros obtidos à custa da condenação à fome de cada vez mais milhões de pessoas.
Em vez de retomar a defesa da preferência comunitária para bens essenciais como os cereais, o leite, a carne bovina, o açúcar, o vinho, os legumes e a fruta, a Comissão Europeia quer prosseguir a liberalização das importações e avançar com o desmantelamento das organizações comuns de mercado que ainda existem, transferindo-as para o regime de pagamento único (com as raras excepções das vacas em aleitamento, dos caprinos e ovinos).
Em vez de inverter o caminho prosseguido pelas últimas reformas da PAC, a Comissão Europeia insiste no desmantelamento do sistema de quotas do leite, o que contribuiria para bloquear o desenvolvimento rural e condenar à pobreza vastas zonas onde a produção do leite e seus derivados é a actividade dominante. E não vale agora deputados do PS e do PSD considerarem uma vitória o possível adiamento da discussão das quotas do leite para 2010, como aconteceu na visita da Comissão de Agricultura do PE aos Açores, na semana passada. Como aí referi, apenas querem fugir a um debate incómodo em vésperas de eleições. Na prática, estão a apoiar o desmantelamento do sistema de quotas após 2015.

Um sector es­tra­té­gico

Mas esta política, que menospreza a agricultura e os pequenos e médios agricultores, que esquece a soberania e a segurança alimentares, põe em causa o direito a uma alimentação saudável. Por isso, as lutas que os pequenos e médios agricultores estão a realizar por todo o País são também do interesse das populações que têm direito a produtos de qualidade a preços acessíveis, o que exige que a agricultura seja considerada um sector estratégico.
Uma verdadeira política alimentar exige uma política agrícola que apoie e promova a produção agrícola de qualidade, que defenda a agricultura familiar, os pequenos e médios agricultores, que aposte na criação de mercados locais de proximidade, que mantenha o sistemas das quotas leiteiras como garantia do direito a produzir, reequilibrando os seus valores entre países, que se retome a ligação dos apoios à garantia de produção de qualquer produto, tendo em conta a especificidade de cada país e cada região. É também preciso que haja uma distribuição equitativa dessas ajudas directas, mediante a introdução de um limite máximo de apoio e o reforço da modulação no plano comunitário, tendo em conta estruturas e dimensão das explorações e o número de pessoas empregadas, para uma redistribuição aos agricultores e países que recebem menos ajudas da PAC. Importa, igualmente, controlar os preços dos factores de produção para impedir o seu aumento baseado em ganhos especulativos, defender o princípio da precaução, a biodiversidade e o direito dos agricultores às sementes das suas plantações, apoiar os agricultores e suas associações, incluindo cooperativas, criar condições para que o mundo rural se torne atractivo para os jovens, travando o abandono e a desertificação de vastas zonas do interior, evitando que os fogos florestais se tornem uma calamidade em zonas cada vez menos povoadas.


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