Encontro Nacional do PCP sobre Educação

Defender a escola pública, de qualidade e gratuita

Mais de trezentas pessoas com ligação ao sector da educação e ensino participaram, dia 31, no Encontro Nacional do PCP que teve como lema «por uma escola pública, de qualidade e gratuita, ao serviço do País e dos portugueses».

Go­verno cede, por opção, aos in­te­resses do grande ca­pital

Na primeira intervenção do encontro, Jorge Pires, da Comissão Política, deu o mote que marcaria todo o dia de trabalhos: «o actual Governo tem vindo a introduzir um conjunto de alterações no sistema educativo que configuram aquela que é já hoje considerada a maior e a mais agressiva ofensiva contra a escola pública após o 25 de Abril de 1974».
Concretizando, o dirigente do PCP lembrou que «dizem-nos, por exemplo, que não faltam escolas, o que faltam são escolas de qualidade e entretanto encerraram até hoje mais de 2500 escolas, enquanto mantêm milhares de escolas degradadas, muitas delas em piores condições do que as que encerraram». E dizem também que não faltam professores, mas sim, novamente, professores «de qualidade». Entretanto, «continuamos a ter turmas com excesso de alunos, milhares de crianças com necessidades educativas especiais afastadas do ensino especial e milhares de professores no desemprego».
Também os recursos económicos não faltarão, segundo o Governo. Entretanto, denunciou Jorge Pires, «as famílias são já hoje chamadas a pagar mais de 30 por cento com a educação». No Ensino Superior, tal como a JCP e o Partido alertaram, os custos tornam-se incomportáveis: há, no segundo ciclo, propinas que atingem os 25 mil euros.
Para esta ofensiva, salientou, o Governo começou com criar o «ambiente propício» à concretização de um conjunto de medidas contra a escola pública: desenvolvendo, primeiro, uma campanha pública de desvalorização da profissão docente, publicando ran­kings e aprovando, depois, o novo decreto de gestão escolar. Mas, realçou, a questão central e fonte de inspiração para o Governo do PS é a pretensão do grande capital de constituir um verdadeiro «mercado da educação». Foi o próprio patrão da Sonae, Belmiro de Azevedo, quem disse que «há um mercado para a Educação. Porque existem consumidores que revelam preferências, seja o aluno à entrada seja o empregador à saída».
Desta forma, o capital impõe a construção da «sua» escola, que agrava o individualismo e que intensifica um «processo antidemocrático de selecção natural onde os melhores triunfam e os mais frágeis perdem».

Um lu­cra­tivo ne­gócio

Mas não é só na perspectiva ideológica que o mercado olha para a escola, afirmou Jorge Pires. O «mercado da educação» vale actualmente, a nível mundial, mais de 2 mil milhares de milhões de euros por ano, ou seja, o dobro do mercado automóvel. A nível nacional, como destacou também José Lourenço, ultrapassa já os 10 milhões de euros por ano. Actualmente, realçou este economista, já 18 por cento dos alunos dos ensinos Básico e Secundário frequentam instituições privadas. No Superior, essa percentagem eleva-se aos 26 por cento. «Não é por acaso que qualquer banco tem hoje linhas de crédito para apoio a estudantes e frequentemente localizam as suas agências dentro dos próprios espaços escolares.»
Por outro lado, afirmou ainda José Lourenço, segundo dados do Censos 2001, cada família com um filho menor de 25 anos pagava em média, por ano, 890 euros com educação. Ou seja, «muito longe da gratuitidade de que fala a nossa constituição».
No final, foi aprovada uma proclamação que apelava aos trabalhadores e ao povo «a que se juntem ao PCP nesta luta», ficando assumido o compromisso da realização de iniciativas políticas em defesa da escola pública no início do próximo ano lectivo.

Em luta contra a ofen­siva

A ofensiva do Governo contra a escola pública está a deparar-se com uma forte resistência por parte de professores, auxiliares e estudantes. Luta que, salientou Jorge Pires, «saiu dos muros das escolas para as ruas do País». No dia 8 de Março, mais de 100 mil professores e educadores protagonizaram a maior manifestação de sempre da classe. O dirigente do PCP salientou a importância desta luta «pela sua dimensão e pelos impactos que teve no plano nacional e internacional».
A luta dos estudantes também esteve em foco no encontro. Helena Barbosa, da JCP, valorizou as acções de luta que, «no plano nacional, juntaram milhares de estudantes em protestos contra as propinas, contra Bolonha, por uma acção social justa, contra o novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior». Para a jovem comunista, esta luta merece ainda maior destaque tendo em conta o «contexto desfavorável de correlação de forças no movimento estudantil, da elitização crescente do Ensino Superior, das faltas, da sobrecarga de horários e de trabalhos trazidos por Bolonha».
Dulce Simões, igualmente da JCP, referiu-se à luta dos estudantes do Ensino Secundário. Na sua intervenção, destacou a jornada nacional de luta de Janeiro, que trouxe à rua 15 mil estudantes. Entre as causas do protesto está o novo Regime Jurídico de Autonomia e Gestão, que «à parte do nome refinado, não passa de uma outra forma de dizer que os estudantes passaram a ter ainda menos voz na vida escolar». A possibilidade de entrada de entidades privadas na gestão escolar merece a condenação da JCP e de milhares de estudantes, afirmou a jovem comunista.
No que toca aos auxiliares de acção educativa, a situação não é melhor. Uma militante que interveio no encontro considerou esta uma «classe enganada e ignorada» por sucessivos governos. «Tudo lhes foi exigido durante anos: 12.º ano de escolaridade; cursos de formação de 180 horas para Assistentes de Acção Educativa; cursos de Informática, Psicologia, primeiros-socorros, animação de recreios, etc.» Depois de tudo isso, «continuam ignorados», afirmou, considerando ainda não ser com 7 horas diárias, 5 dias por semana com as crianças no mesmo espaço físico que se evita o abandono escolar.

Cum­prir o pro­jecto do Par­tido

Coube a Ana Páscoa abordar as linhas orientadoras do projecto educativo do PCP, tema «demasiado vasto» para os breves minutos de uma intervenção, como ela própria afirmou. Ainda assim, salientou que falar de projecto educativo do PCP é falar, em primeiro lugar, «de uma escola pública, de qualidade e inclusiva, de uma escola gratuita, ao serviço do País».
Para cumprir este grande objectivo, há que defender uma escola «onde sejam garantidas condições de trabalho e de estudo, onde sejam reforçados os princípios da autonomia e gestão democráticos», instrumento por excelência para garantir o direito à igualdade de oportunidades e êxito escolares. O que não é compatível com cortes orçamentais, com encerramentos de escolas ou com carência e mau estado dos equipamentos.
A escola pública, de qualidade e inclusiva é «uma escola de sucesso e sem abandono, é uma escola com um espaço e tempo onde aluno e professor gostem de estar», o que constitui, afirma, uma «condição para o sucesso». Para que fique claro, Ana Páscoa realçou que nada disto implica a cedência à diminuição do rigor ou facilitismo. Aprender, afirmou, «cansa e dá trabalho», mas compensa.
O projecto dos comunistas, acrescentou, «defende uma escola que forme os alunos numa perspectiva de trabalho, mas também e sobretudo a formação para a cidadania, que possibilite aos jovens no futuro a participação plena na comunidade». A escola pela qual se bate o PCP terá também de colmatar as «lacunas nos menos apoiados socialmente».
Paula Santos, vereadora na Câmara Municipal do Seixal, destacou que o projecto autárquico na área da educação «assenta em matizes democráticas, de participação e de defesa intransigente dos direitos dos portugueses». E executa-se criativamente pelas autarquias de maioria CDU.
Como? No envolvimento da comunidade educativa no debate e definição das opções e objectivos das políticas educativas municipais, na realização de projectos em conjunto ou ainda na reivindicação junto do Governo do cumprimento das suas responsabilidades, de que «constantemente se demite».
Mas o actual contexto impõe muitas dificuldades à concretização deste projecto, nomeadamente pelas restrições financeiras da Lei das Finanças Locais, acusou a autarca comunista.

Je­ró­nimo de Sousa no en­cer­ra­mento do en­contro
Edu­cação não é um ne­gócio

No encerramento do Encontro Nacional do PCP, o secretário-geral do PCP defendeu que a escola pública é a única forma do Estado realizar as suas obrigações constitucionais no que à educação diz respeito. Transcrevemos em seguida excertos da sua intervenção.

«Já na recta final do nosso Encontro Nacional e retendo o quadro de grande riqueza das contribuições e análises importa salientar dois aspectos de extraordinária importância para o futuro do nosso sistema educativo e para o futuro do País: o primeiro é que tal como ficou demonstrado no conjunto das intervenções, não é possível ao Estado realizar as suas obrigações constitucionais que não seja através de uma Escola Pública de qualidade, gratuita, uma escola para todos.
«A segunda é que, no actual contexto em que o poder político se submete cada vez mais aos ditames do grande capital nacional e transnacional, só com a luta empenhada da comunidade educativa, no quadro mais geral da luta por uma política alternativa no quadro de uma verdadeira alternativa política, é possível atingir tal desígnio.
«Como foi salientado durante o Encontro, o Governo do PS, refém (por opção política e ideológica) dos interesses do grande capital, definiu e está a concretizar uma estratégia que passa por uma profunda reconfiguração do próprio Estado, que passa pela desresponsabilização das suas obrigações constitucionais em matéria de educação e ensino, abrindo de seguida as portas à iniciativa privada, com os consequentes aumentos dos custos para os estudantes e para as famílias, de elitização do ensino, mas também do pendor ideológico da escola. O interesse nacional exige que o Estado assegure uma Escola pública, gratuita e de qualidade para todos e deve ter perante o ensino privado um mero papel de regulador da qualidade, no cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
«Ou seja, a crescente mercantilização da educação – que não se desliga de uma ofensiva mais global pela mercantilização das funções sociais do Estado, com expressão concreta no desrespeito pelo preceito constitucional que obriga o Estado a democratizar a educação e a garantir a progressiva gratuitidade do ensino público – é uma realidade que não podemos dissociar das políticas neoliberais que têm vindo a ser implementadas no País, num quadro mais geral de subordinação do poder político ao poder económico.

Re­sul­tados à vista de todos

«As consequências estão à vista e deviam envergonhar qualquer governante. O problema é que esta questão não é de ter mais ou menos vergonha! É de opção. Portugal continua a ter, apesar da manipulação estatística, dos piores indicadores da União Europeia e da OCDE. Portugal tem dos maiores índices de analfabetismo, das mais baixas qualificações académicas e profissionais, dos mais baixos níveis de literacia, das mais elevadas taxas de abandono precoce e insucesso escolar.
«Sabemos que foi um histórico secular mas esta é uma realidade actual que tem uma grave expressão na falta de qualidade das aprendizagens realizadas, logo na falta de qualidade do sucesso obtido, com repercussões a curto e médio prazo, nefastas para o desenvolvimento do nosso País.
«Do debate aqui realizado fica muito claro que o Estado não pode limitar-se a reconhecer o direito à educação, ao ensino e à igualdade de oportunidades na formação escolar, entendida no sentido material. Deve obrigar-se não só a eliminar obstáculos à sua realização mas, mais do que isso, a criar as condições que permitam na prática o acesso de todos.

Glo­ba­li­zação ca­pi­ta­lista é obs­tá­culo ao co­nhe­ci­mento

«Para nós é claro que o processo de globalização capitalista, dominado pelo capital económico e sobretudo financeiro, que proclama (escondendo a sua ideologia) o fim das ideologias enquanto elementos capazes de ajudar o ser humano a encontrar o caminho da sua libertação e que erigiu, demagógica e falsamente, o mercado como principal factor de desenvolvimento das sociedades, é neste momento o grande obstáculo ao acesso de milhões de seres humanos ao conhecimento.
«A questão central é o mercado e o lucro e, mesmo sem os diabolizar, o que importa é saber se estes estão acima do ser humano e se é legítimo utilizarem os instrumentos que deviam ser de todos, apenas a seu proveito e sob o seu comando. São os próprios Ministros da Educação da Europa que chamam e conduzem o aparelho escolar, a melhor servir a competição económica capitalista, formando mais adequadamente os trabalhadores a essa economia, como é evidente no processo de “Bolonha”.
«É neste contexto que enquadramos e avaliamos a política educativa que tem vindo a ser desenvolvida nestes últimos três anos pelo Governo do PS, sendo que o resultado dessa avaliação aponta para a sua responsabilização, não apenas por ter prolongado a agravado a crise que se vem vivendo há muito no sistema educativo, mas também pelo facto de ser ele o protagonista da maior e mais agressiva ofensiva contra a escola pública nos últimos 30 anos.
«Uma ofensiva que se caracteriza pelo objectivo de transformar a educação numa área de negócio, em que os saberes e os diplomas se compram e vendem num “mercado da educação”; por pôr em causa a autonomia e a gestão democrática com o objectivo de introduzir na escola dinâmicas de empresarialização; por desvalorizar a profissão docente e os professores; por encerrar escolas e por elitizar o acesso ao conhecimento, num quadro em que a maioria tem acesso às competências e uma minoria ao conhecimento (...)

Um ca­minho al­ter­na­tivo

«Ao contrário do modelo de desenvolvimento que está a ser consolidado em Portugal, o PCP defende que um projecto de desenvolvimento credível e sustentado para o País deve assentar, numa época de expansão das novas tecnologias, sobretudo no desenvolvimento e enriquecimento do ser humano, com um investimento significativo na educação, na formação e na cultura.
«Um investimento na educação que passa, de acordo com o projecto educativo do Partido, por um sistema educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas e programas, e de meios financeiros e humanos que permitam a concretização do direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses e a todos os níveis de ensino; que erradique o analfabetismo; que assegure o ensino básico, universal, obrigatório, gratuito e a cobertura do País por uma rede pública de educação pré-escolar e que estabeleça a interligação entre objectivos do ensino e das actividades socais, culturais e económicas; que contribua para o aumento da qualificação do trabalho dos portugueses (...)»


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