Morreu Luiz Pacheco

Escritor e personalidade singular

Foi anteontem cremado, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, Luiz Pacheco, escritor, editor e militante comunista.

Luiz Pacheco aderiu ao PCP no conturbado período do final da década de 80

Luiz Pacheco morreu no dia 5 de Janeiro à noite, no Montijo. Tinha 82 anos. Antes do funeral, o seu corpo esteve em câmara ardente na Basílica da Estrela, por onde passaram muitos admiradores, familiares e amigos. Entre eles, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
No funeral, José Casanova, membro da Comissão Política e director do Avante!, lembrou a adesão de Luiz Pacheco ao PCP. «Um dia, há mais de vinte anos, o Luiz Pacheco dirigiu-se à Sede da Organização Regional de Lisboa do PCP – o CT Vitória, ali na Avenida da Liberdade e disse-me: “Quero inscrever-me no Partido”. Confesso que esta intenção militante do Luiz não me surpreendeu por aí além – mas é necessário confessar, também, que, por razões óbvias, ela me deu uma enorme alegria. Começou a preencher a ficha de inscrição, cuidadosamente, lentamente, a meio parou e disse: “Mas ponho uma condição”.»
E pôs a condição: quando morresse, queria um funeral «como o do Ary», com bandeira do Partido e discurso… «Era uma condição razoável, mais do que razoável e, desde logo, assentámos que assim seria. E assim está a ser: como ele quis que fosse», afirmou o dirigente do PCP.
A bandeira vermelha com a foice e o martelo e a estrela de cinco pontas lá esteve, na Basílica da Estrela, a cobrir a urna, e no cemitério. Já a segunda condição era de «muito mais difícil e complexa execução».
É porque, prosseguiu, «quando disse que queria discurso, o Luiz Pacheco, infelizmente, não especificou que tipo de discurso queria».

O discurso que não chegou a sê-lo

Presumindo que não quereria uma «desenvolvida e extensa análise à situação política do momento, com as necessárias (e necessariamente contundentes) críticas à política do Governo», o director do Avante! realçou que, por isso, «não é esse o discurso que irei fazer.»
Mas, continuou, possivelmente que também não quereria um discurso em torno da história do PCP e do seu papel na sociedade portuguesa, desde os tempos da resistência ao fascismo até à actual resistência a uma política com «demasiados cheiros ao antigamente».
«Nem quereria que eu aqui viesse dizer que ele, Luiz Pacheco, espírito livre e independente, personalidade lúcida e irreverente, escritor e personalidade singular, soube reconhecer no PCP o partido dos trabalhadores, com tudo o que isso significa, e fez dele o seu partido». Até porque todos os que o conhecem «sabem que era assim e muitos amigos dele que aqui estão hoje, ou que nas últimas vinte e quatro horas passaram pela Basílica da Estrela, sabem do orgulho com que o Luiz lhes mostrava o seu cartão de militante – “com as cotas em dia”, como fazia questão de sublinhar».
Os que não sabiam ficaram a saber, continuou José Casanova, a importância que dava à sua ligação ao Partido, «de tal forma que, sempre que mudava de residência, a sua primeira correspondência era para informar os camaradas da sua nova morada». Ou ainda a importância que dava à leitura do Avante! que, revelou, «a partir de determinada altura, passou a ser quase exclusivamente o seu jornal». Era com alegria e satisfação que recebia a visita de camaradas e participava nas «conversas à volta do petisco».
Para o director do Avante!, também não seria desejo de Luiz Pacheco, que se dissesse no seu funeral que «a sua morte é uma enorme perda para a cultura portuguesa; que ele é um dos maiores escritores de maior importância do século passado, um estilista notável que marcou impressivamente a cultura portuguesa». «E a verdade é que, aqui chegado, acho que é altura de terminar este discurso que não chegou a sê-lo», continuou José Casanova.
Antes de terminar, o dirigente do PCP realçou que fica a «imensa saudade que Luiz Pacheco deixa em todos nós. Saudade do amigo. Saudade do camarada. Saudade do escritor. Saudade do Luiz Pacheco exactamente como ele era e pelo que ele era». Uma saudade que, rematou, podemos ir matando, lendo-o.

Lugar cativo na história da literatura

O PCP reagiu, dia 7, à morte de Luiz Pacheco com uma nota da sua Comissão Nacional para as Questões da Cultura. Na ocasião, os comunistas realçam que Luiz Pacheco assegurou um lugar na história da literatura portuguesa, como editor e como escritor.
Enquanto editor, deve-se-lhe a publicação de obras de vários autores importantes, de Mário Cesariny e outros surrealistas a Herberto Hélder. Enquanto escritor, a sua obra, em grande parte ainda dispersa, «dá testemunho de uma prosa depurada e segura, ágil e capaz de recriar a palavra oral e popular, e o calão». Entre as suas obras, merecem especial destaque Comunidade, O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor, O Teodolito, Exercícios de Estilo ou Memorando, mirabolando.
Na opinião dos comunistas, Luiz Pacheco é um autor em que vida e obra se confundem e se ampliam mutuamente, «em que a ficção, a crítica literária e a crítica da mundanidade literária se respondem e ecoam um fundo insistente e desassombradamente autobiográfico. Autor satírico, a sua obra combina a ironia e a subversão das convenções do moralismo conservador e hipócrita, com a capacidade de revelar o rosto agredido do ser humano, entre a opressão e o sofrimento da miséria e a alegria insurrecta».
A Comissão Nacional do PCP para as Questões da Cultura destacava ainda, na sua nota, a filiação comunista de Luiz Pacheco, que manteve até morrer. E lamentava profundamente o seu falecimento e a perda que ele significa para a cultura portuguesa, manifestando ainda as sentidas condolências aos seus familiares.
Luiz Pacheco nasceu em Lisboa a 7 de Maio de 1925. Com um precoce talento para a escrita, frequentou o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. Por dificuldades financeiras, acabou por desistir do curso.
Em 1946, foi admitido como agente fiscal da Inspecção de Espectáculos, de onde se demitiu, um dia, por estar farto daquele emprego. Ao longo de vários anos, publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, como o Diário Popular ou a Seara Nova. Em 1950, fundou a editora Contraponto, onde publicou a obra de diversos escritores, que se tornariam nomes consagrados da literatura portuguesa.
Dedicou-se também à crítica literária e cultural.


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