A democracia deles

José Casanova
Os chefões manifestaram preocupações a Sócrates sobre a possibilidade do referendo, e o primeiro-ministro decidiu-se pelo «não»: «não» ao referendo, obviamente – única forma de garantir (sem margem para dúvidas e mandando às urtigas a opinião do povo) o «sim» ao Tratado porreiro, pá, também conhecido por tratado dos tratantes.
Tenho para mim, no entanto, que tais preocupações eram dispensáveis: Sócrates é um rapaz bem comportado, sabe por intuição o que os chefes querem que ele faça em cada momento, adivinha-lhes o pensamento e age sempre em consonância com eles. Nesta coisa do não referendo, estou em crer, mesmo, que Sócrates já sabia o que queria quando, em compromisso eleitoral assumido, prometeu o contrário. É que ele, tal como os seus pares do PS(D), são especialistas na caça ao voto através da mentira - de tal forma que, quando por qualquer distracção dizem uma verdade, até coram de vergonha.
Nas promessas eleitorais não cumpridas; no cumprimento integral de medidas que não foram promessa eleitoral mas estavam previamente assentes com o grande capital; no desrespeito pela inteligência, pela sensibilidade e pelos direitos dos cidadãos eleitores; na mascarada que é, cada vez mais, cada acto eleitoral; enfim, neste conjunto de valores e princípios que norteiam a prática dos lideres da política de direita, encontramos os fundamentos daquilo a que o linguajar dominante chama ser eleito democraticamente.
Foi, então, na condição de eleito democraticamente que Sócrates decidiu dar mais uma machadada – e que machadada! – na independência nacional, negando ao povo português a possibilidade de, invocando a Constituição da República Portuguesa, a defender.
Sublinhe-se que Sócrates contou, nesta tarefa, com o insistente e persistente apoio do Presidente da República - também ele eleito democraticamente e também ele contrário à consulta popular sobre o Tratado, dados os perigos que havia de o dito vir a ser rejeitado pelo povo.
Assim vai sendo construída esta democracia dominante. Assim: desprezando e espezinhando a democracia.


Mais artigos de: Opinião

O Escândalo de Rostock

Em Junho de 2007, 80 000 pessoas manifestaram-se em Rostock, no Norte da Alemanha, contra a cimeira do G8. Nas semanas que precederam as acções de protesto, o Procurador-Geral do Ministério Público Federal, Monika Harms, ordenou uma séria de medidas ilegais e de carácter repressivo com o pretexto de se estar em presença...

Nesta história não entram os «polícias»

Aproveitando um intervalo da sessão de auto-elogios que o governo decidiu realizar no passado domingo e depois de reafirmar, sabe-se lá porquê, o seu optimismo e o do governo que integra relativamente às perspectivas de evolução económica para 2008, o ministro das Finanças, referindo-se às críticas de que ele próprio e o Governador do Banco de Portugal têm sido alvo a propósito da situação que se tem vivido nas últimas semanas em torno do BCP e da Caixa Geral de Depósitos (CGD), comparou essas críticas a uma história de polícias e ladrões, em que, ao contrário do que acontece nas séries televisivas, eram os polícias que estavam a ser perseguidos e não os ladrões.

West Coast

«Como pode uma marca que é a 23.ª do mercado, que tem fraca e até má reputação, pobres argumentos, baixo preço e uma desmotivada força de vendas, dar a volta por cima e criar um grande impacto no mercado?»A pergunta não é de retórica. Consta da apresentação da campanha concebida pela respeitável empresa a quem o Governo...

Lisboa/Dakar… Paris

A história do cancelamento do Lisboa/Dakar poderá nunca vir a ser conhecida na sua totalidade e o cancelamento da prova não constitui nenhuma catástrofe para humanidade e muito menos para as multinacionais envolvidas na prova. Quem mais perde é de facto o turismo da Mauritânia e o senegalês, coincidência ou não, o país...

Sem surpresa

Aconteceu como se esperava que acontecesse. Nas últimas eleições legislativas o PS prometeu que realizaria um referendo sobre a chamada Constituição Europeia. Com essa e outras promessas ganhou a maioria dos votos e formou governo. Depois, ordeiramente, durante a presidência portuguesa da União Europeia, obedeceu a tudo...