A degenerescência do regime democrático

Uma ideia chave sublinhada no decurso da interpelação pelo PCP é a de que os ataques à democracia política servem a consolidação do domínio crescente do poder económico sobre todas as esferas da vida social.

O Go­verno toma des­ca­ra­da­mente o par­tido dos pa­trões

A este facto está igualmente associado o objectivo imediato de manter o PS no poder, ainda que à custa, como frisou o deputado António Filipe, da «prepotência, do autoritarismo e da instrumentalização do Estado para combater todos os que ousem contestar as suas políticas».
No debate assistiu-se ao habitual número de que «o PS não recebe lições de democracia», mas a verdade é que fugiu como o diabo da cruz de questões como por exemplo o assalto ao aparelho do Estado por parte das suas clientelas políticas. Lembrados, entre tantos outros, foram casos como o do processo disciplinar interposto pela DREN ao professor Charrua, o da demissão e nomeação de directores no Centro de Saúde de Vieira do Minho, as inúmeras nomeações sem concurso e os gastos discricionários com estudos, consultorias e subsídios com que os membros do Governo «presenteiam os seus amigos políticos».

Do lado dos pa­trões

O deputado comunista Jorge Machado, por seu lado, levando ao conhecimento da câmara casos concretos de violação da liberdade sindical e de ataque à democracia dentro das empresas, acusou o Governo de tornar «descaradamente o partido dos patrões», criando as condições e sendo ele próprio um agente activo na ofensiva contra os trabalhadores.
Rui Pereira, na resposta, limitou-se a dizer que a lei é para ser «cumprida por todos», fingindo ignorar que as violações são protagonizadas por patrões e governo e não pelos trabalhadores. A provocar sorrisos irónicos nos partidos da oposição esteve ainda a afirmação do ministro da Administração Interna de que as forças de segurança não são instrumentalizadas por ninguém.

Jus­tiça ne­gada

Colocada no centro do debate foi também a ofensiva do Governo em matéria de Justiça e Administração Interna, com António Filipe a considerar que neste capítulo se está perante «um gravíssimos atentado contra princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático».
A verdade é que, sublinhou, «o direito à Justiça continua a ser negado aos cidadãos de menores recursos, por via de um regime iníquo de acesso ao direito, de custas judiciais incomportáveis e de uma morosidade insuportável do funcionamento da Justiça».
Da falta de condições para que o sistema judicial cumpra a função que lhe compete, sobretudo no que diz respeito aos tribunais de trabalho e à garantia dos direitos dos trabalhadores, falou também o deputado comunista João Oliveira, trazendo à colação exemplos do Tribunal de Trabalho de Lisboa reveladores da manifesta falta de recursos humanos, incluindo juizes, bem como de graves atrasos nos processos.
O Ministro Alberto Costa reconheceu que o Tribunal de Trabalho de Lisboa, pela sua falta de condições, é uma amostra do que estava por fazer há mais de 20 anos, garantindo que o problema estava em vias de ser resolvido e que está em curso um «alargamento da oferta judicial».
Sobre um conjunto vasto de outras questões suscitadas pelo PCP nada, porém, foi dito. Um silêncio de chumbo sobre, por exemplo, aspectos essenciais como as alterações ao Código do Processo Penal que «vieram criar dificuldades quase insuperáveis à investigação do crime organizado, contribuindo ainda mais para a impunidade dos poderosos perante o sistema de justiça». Nem sobre as alterações propostas à Lei de Segurança Interna e à Lei de Organização da Investigação Criminal, que vão no sentido da «desvalorização da Polícia Judiciária enquanto corpo superior de polícia criminal» e da «introdução de uma promiscuidade inaceitável entre funções de segurança interna e de investigação criminal». Ou sobre a pretendida criação do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, visto pelos comunistas como «um passo gravíssimo e sem precedentes na governamentalização da investigação criminal e na criação de um perigosíssimo estado policial».

Re­pressão nas es­colas

Às acusações do deputado comunista Miguel Tiago de que nas escolas aumenta a repressão na exacta medida do aumento do descontentamento dos estudantes (ver peça sob o título «asfixiar espaços de liberdade») respondeu o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, com o abstruso argumento de que a denúncia do PCP de tais casos de intimidação e repressão sobre os alunos e interferência na sua vida associativa representava, imagine-se, um «ataque à autonomia das escolas e às decisões das suas direcções executivas».


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