A posse e o uso da terra

José Catalino (Membro da Comissão Política)
Em Portugal, a exigência de uma reforma agrária é anterior à criação do Partido mas no quadro da resistência à ditadura fascista, e entre muitos outros combates, são já os comunistas que encabeçam as reivindicações dos trabalhadores agrícolas do Sul, liderando as grandes lutas nos anos 50 e 60 por melhores salários e pelas oito horas – uma conquista histórica –, num tempo em que o sistema de exploração que vigorava nos latifúndios era a vergonhosa jornada «de sol a sol».

A reforma agrária continua a ser uma necessidade objectiva dos nossos dias

Na clandestinidade, em 1964, o camarada Álvaro Cunhal redige o relatório «Rumo à Vitória», no qual define a ditadura fascista como «a ditadura terrorista dos monopólios, associados ao imperialismo estrangeiro, e dos latifundiários»; coloca a questão do levantamento nacional e da insurreição popular para o derrubamento do fascismo (10 anos antes do 25 de Abril de 1974!); e aponta, entre os objectivos centrais da revolução democrática e nacional, «a realização da reforma agrária que entregue a terra a quem a trabalhe».
Com a Revolução dos Cravos, são criadas condições políticas, económicas e sociais para que avance o processo de reforma agrária nos campos do Alentejo e do Ribatejo.
É conhecida essa luta: desde finais de 1974, em pouco mais de um ano, os trabalhadores agrícolas tomam nas suas mãos a gestão e o cultivo de mais de uma milhão de hectares de terra até então votados ao abandono ou subaproveitados pelos latifundiários.
Esta «conquista maravilhosa da revolução» foi também das realizações mais atacadas, primeiro, e mais denegridas, depois e até aos nossos dias. A classe dominante desencadeou, no refluxo do movimento revolucionário, depois do 25 de Novembro de 1976, através dos governos do PS, PPD e CDS, a contra-reforma agrária – não obstante a resistência heróica dos trabalhadores –, destruindo as UCP, perseguindo os trabalhadores e «entregando» terras e equipamentos aos antigos proprietários, recompensados ainda pelo Estado com avultadas indemnizações.
Um dia será reposta a verdade sobre a Reforma Agrária, realização colectiva que trilhou novos caminhos na construção de uma sociedade mais justa.

Uma necessidade objectiva

Embora as condições políticas, económicas e sociais, tanto nacionais como internacionais, sejam hoje muito diferentes das que foram criadas com a Revolução de Abril, a Reforma Agrária continua a ser uma necessidade objectiva.
Por um lado, porque a grande propriedade latifundista persiste como a forma dominante da propriedade da terra; agrava-se o processo de concentração fundiária, com a consequente diminuição da pequena e média propriedade; avança a desertificação do território; prossegue o despovoamento do Alentejo – desde há meio século que a população residente não pára de diminuir (baixou um terço em 50 anos).
Acresce que nos últimos 30 anos houve mudanças importantes nos campos do Alentejo, mas todas elas apontam também no mesmo sentido: é a entrada de Portugal na União Europeia que, no quadro da PAC, assegura aos grandes proprietários milhões de euros em subsídios para não produzirem; é a construção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva que criará até 2015 mais 110 mil hectares de regadio a juntar aos perímetros de rega já existentes; é a maciça aquisição de terras, sobretudo na zona de influência de Alqueva, por empresas agrárias estrangeiras, em especial espanholas, em negócios especulativos com base nas mais valias criadas pelo investimento público.
E, por outro lado, a própria Constituição da República Portuguesa define como objectivos da política agrícola do Estado, entre outros, «promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, o desenvolvimento do mundo rural, a racionalização das estruturas fundiárias, a modernização do tecido empresarial e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham», e preconiza a eliminação dos latifúndios.

Criar um banco de terras

Em 2001, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Assembleia da República a criação de um Banco de Terras a constituir, entre outros, pelos prédios rústicos expropriados por declaração de utilidade pública e pelos adquiridos pelo Estado; definição de um limite de referência de 50 hectares para a propriedade e exploração das áreas abrangidas pelos perímetros de rega doAlqueva; Afectação, por concurso público e através de contratos de arrendamento rural, das áreas pertencentes ao Banco de Terras, a jovens agricultores, pequenos agricultores e trabalhadores agrícolas que vivessem exclusiva ou predominantemente da agricultura, cooperativas de produção agrícola e residentes na região que quisessem iniciar uma actividade agrícola.
O PS juntou-se, na altura, uma vez mais, ao PSD e ao CDS/PP e, aliados, chumbaram este projecto de lei que teria contribuído para a criação de um novo tecido empresarial agrícola, assente em milhares de famílias, capaz de assegurar com êxito o aproveitamento dos novos regadios e de renovar o mundo rural em desertificação.

Debater a reforma agrária

Por todas estas razões, o Encontro de Quadros do Alentejo realizado no passado domingo em Mora decidiu que chegou o momento de se colocar na agenda política a questão de um alargado debate nacional sobre uma nova reforma agrária nos campos do Sul, em especial na zona do regadio e na área de influência de Alqueva, devendo a proposta concreta apresentada em 2001 pelo Grupo Parlamentar do PCP, de criação de um Banco de Terras como forma de correcção da estrutura fundiária, servir de ponto de partida para a discussão.
Hoje e no futuro, a terra a quem a trabalha contribuirá decisivamente para fixar população no Alentejo e atrair novos habitantes; contribuirá, com Alqueva ao serviço do povo, para modernizar a agricultura, a agro-indústria e o conjunto da economia regional, e revitalizar o mundo rural, com base nas imensas potencialidades existentes; contribuirá para a defesa do ambiente e do património natural e cultural da região; contribuirá para a diminuição de injustiças sociais e de assimetrias regionais; contribuirá para o desenvolvimento harmonioso do Alentejo e do País; contribuirá, enfim, para seguirmos outros rumos, novas políticas, na construção de uma sociedade mais justa, mantendo sempre no horizonte a perspectiva do socialismo.


Mais artigos de: Opinião

IMPORTANTE VAGA DE LUTAS

Em cada vez mais países europeus irrompe e alastra importante vaga de lutas. É a resposta dos trabalhadores e dos povos aos planos de cariz totalitário do capitalismo europeu, à liquidação dos direitos laborais e sociais e à privatização e expropriação dos bens e serviços públicos. A lista dos países onde têm ocorrido...

Por pouco dinheiro

Nas toneladas de papel ou nos gigabites de informação que semanalmente nos despejam em cima, há, por vezes, uma frase, uma notícia, um lampejo de realidade – muitas vezes devidamente «ficcionada» - que nos prende, ou alerta, ou, muito simplesmente nos chama a atenção.Desta vez, entre a chusma de títulos que olhamos quase...

O Dia da Memória

A sinistralidade rodoviária é um problema grave do nosso país que, só neste ano e até ao dia 11 de Novembro, já tinha vitimado 756 pessoas. Nas últimas semanas, uma série de acidentes rodoviários fatais têm chocado o país. São muitos, infelizmente, os factores que explicam este terrível número: condução perigosa,...

O relatório

Ao longo dos anos habituámo-nos a ir àquela rua central de Aveiro, paredes meias com um dos mais movimentados centros comerciais da Cidade, onde distribuímos documentos, recolhemos assinaturas, contactamos quem passa, conversamos muito, apelamos à mobilização para as mais diversas acções, ao ritmo da necessidade de...

Ruídos

Vários anos depois de ter vindo à luz do dia, o maior escândalo de pedofilia de todos os tempos no País continua a arrastar-se pelos tribunais, fazendo o caminho que cedo lhe apontaram os que sabem da poda, ou seja, avançando paulatinamente para o limbo dos casos insolúveis. Se a memória não me falha, o único culpado...