Rosa

João Frazão
A reportagem que a SIC transmitiu esta semana sobre o regresso à escola da menina pastora de Folgosinho, Gouveia, Rosa de seu nome, com os repetidos anúncios em diversos serviços noticiosos, em que a sua imagem era peça central, na sequência de uma outra a que aquela estação já tinha dado bastante destaque, sugere-me inúmeras reflexões.
Limitados que estamos pelo espaço, fiquemo-nos por três apontamentos, relativos outras tantas questões.
1-O que ali fica à evidência, é o absoluto abandono a que o interior tem sido votado.
Na ausência de políticas de apoio à agricultura, em primeiro lugar, por se tratar do principal sustento de quem lá resiste, mas também no profundo ataque aos serviços públicos, que por aquelas terras encerram uns atrás dos outros, ou na ausência de investimentos geradores de emprego, residem os ingredientes que empurram para a fuga em direcção ao litoral ou ao estrangeiro, que é hoje novamente a marca destas terras.
2-Fica aqui também exposta uma política educativa e designadamente de apoios sociais para a Educação que, diz a Constituição, devia ser gratuita e para todos. Rosa e os pais, que vêm nela a possibilidade de ter mais dois braços para os muitos trabalhos da terra, nada têm. E a escola pede muito. Deslocações, livros, refeições, roupas adequadas, material escolar. Primeiro pede, só depois vais tentar atenuar as dificuldades, quando alguém já tinha desistido por Rosa.
Imagem caricata é a da velha carrinha de caixa aberta que, no caso, faz as vezes de transporte escolar, e que vai buscar os dois irmãos à casa no meio da serra. Rosa e o irmão vão para a escola praticamente de mãos vazias. Com uma caixa de lápis e um livro, ela. Ele, em isso.
3-Com o objectivo notório de contribuir para a ideia de que, agora, só com uma televisão (a tal que teria a capacidade vender Presidentes da República como sabonetes), se resolvem estas situações, e de que nem foi preciso muito barulho, a SIC levou Rosa à escola e mostrou ao país um Presidente de Câmara agradecido por aquele canal se ter substituído a um papel que é o seu.
Rosa é um exemplo entre tantos. A SIC quis retratá-lo ao país. Foi muito para além disso. A fronteira entre a legítima valorização da sua reportagem e a utilização intensiva do riso nervoso e contagiante de Rosa, quando corre serra abaixo serra acima a guardar gados nos pastos, ou da imagem digna do velho pastor encostado ao cajado, para vender telejornais é muito ténue. A SIC pisou-a claramente.


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