Novamente o Pacto da Justiça

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política do PCP)
Foi já nesta legislatura que PS e PSD celebraram, com o alto patrocínio e incentivo do Presidente da República, um pacto para a justiça, que segundo o líder do PSD, está a ser «religiosamente cumprido».

Está em curso uma política que visa aprofundar as discriminações no acesso à justiça

Já se sabe que quando PS e PSD se juntam para congeminar um acordo, nada de bom virá daí para o povo e para o País. Mais isso se confirma quando o acordo acontece com o PS em maioria, ainda por cima absoluta, caso em que tais convergências (que neste acordo deixaram de fora, com evidente insatisfação do próprio, o CDS-PP) são sempre instrumento para salvaguardar aspectos fundamentais para os grandes interesses económicos e financeiros.
O pacto, como o PCP logo denunciou, não visava a resolução de nenhum dos principais problemas da justiça, designadamente a falta de acesso democrático para todos ou a falta de meios nos tribunais e na investigação judiciária, mas antes a continuação da política de elitização da justiça e da sua subordinação aos ditames do poder económico.
A recente aprovação e entrada em vigor do novo Código de Processo Penal (CPP), incluído no pacto, levanta graves e complexas questões, visíveis para muitos portugueses, mesmo estando o debate condicionado pela deturpação mediática de alguns dos seus aspectos, nomeadamente generalizando as responsabilidades pela sua concretização, bem como omitindo e menorizando a posição do PCP.
De facto o PCP votou contra o novo CPP, alertando oportunamente para as consequências da entrada em vigor de algumas das suas normas e para a gravidade de várias alterações.
Quanto à questão da prisão preventiva refira-se que a posição do PCP foi sempre a de defesa do encurtamento dos prazos máximos admitidos para a prisão preventiva, o que aliás propusemos com as necessárias garantias neste processo legislativo. Coisa bem diferente é a forma como se tratou a questão no novo CPP, designadamente diminuindo a sua aplicação aos crimes com pena de prisão superior a 5 anos (em vez dos três anteriores) não salvaguardando sequer (ao contrário do que fazia o PCP) os casos já com sentença ou até já transitados em julgado, o que levou às situações de alarme social e generalizada indignação conhecidas.

Impunidade e privilégio para os grandes

Mas outros e mais graves efeitos ameaçam produzir-se com o novo CPP. Por um lado na iminência de prescrição de processos em curso, cujos prazos foram subitamente diminuídos. Por outro lado na questão do segredo de justiça, cujo levantamento numa fase prematura poderá levar na prática, em processos de especial complexidade como os que incidem sobre a criminalidade económica e financeira ou sobre a corrupção, à inviabilização da investigação e do prosseguimento da acção penal.
Outras graves alterações foram incluídas no novo CPP, casos da inclusão da possibilidade de buscas nocturnas ou da criação de possibilidade do uso da localização celular fora de processo judicial.
Não devemos por isso perder de vista que o cerne desta política, em que se insere o novo CPP, está na criação de condições para a impunidade e o privilégio dos grandes interesses económicos. É o que acontece quando se desprotegem as complexas investigações que os visam, se mantém uma grave carência de meios no aparelho judicial e dificuldades para o desempenho para os profissionais da justiça, ou quando se acentuam as tentativas de manietar a autonomia e o desempenho do Ministério Público.
É neste quadro que o PCP apresentou já um projecto de lei, para o qual propusemos tratamento urgente, que visa a suspensão da vigência do novo CPP por um prazo de seis meses o que, não tendo efeito nas consequências já verificadas da sua aplicação, permitirá abrir um espaço indispensável para a correcção das gravosas alterações.
É fundamental não perder de vista o essencial. O que está em curso é uma política que visa aprofundar as discriminações no acesso à justiça e transformá-la cada vez mais, em consonância com o quadro da política de direita em curso, numa justiça de classe.


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