Um ninho de cucos

Aurélio Santos
Em página inteira generosamente concedida pelo Diário de Notícias, o PNR anunciou esta semana que vai realizar congresso. Convenção, chamam-lhe eles.
Ora esse partido, tem algo que se lhe diga.
É que não foi fundado como nenhum dos outros partidos políticos.
Não tendo obtido as assinaturas suficientes para formar partido, os seus progenitores fizeram negócio com um partido já legalmente constituído.
O Partido Renovador Democrático era à data um cadáver político, crivado de dívidas. Para se desenvencilharem delas, os seus dirigentes aceitaram que elas fossem pagas por alguns indivíduos de extrema-direita, conotados com o fascismo, e que fizeram como os cucos: em vez de se darem ao trabalho de fazer o seu próprio ninho, instalaram-se em ninho alheio, já pronto, para aí porem os seus ovos.
E ao fim de algum tempo - esses ovos germinaram pintos de um neo-salazarismo que se propõe fazer carreira aproveitando as condições propícias que a crise social semeada pela política de direita lhes pode proporcionar.
Esses pintos do ninho de cuco não tardaram em mudar o programa e os estatutos e instaurar os seus órgãos directivos.
Assim foi dado à luz o PNR.
Formalmente, a fraude política resultou. O Tribunal Constitucional deixou passar a operação. Mas politicamente, trata-se de um negócio fraudulento: a criação de um partido novo por indivíduos que recorrem aos escombros de um partido já existente legalmente, aproveitando a sua estrutura e substituindo tudo o resto.
Pode também perguntar-se: com a natural erosão do PRD, um partido morto por perda absoluta de qualquer substância que o identificasse com as razões políticas da sua fundação, recolherá esse PNR actualmente o número mínimo de membros exigidos por lei para um partido político?
Este caso mostra bem como não é só a letra oficialmente oferecida que importa. Há que ver os propósitos enunciados, as actividades realizadas. E aqui há dados incontestáveis, a começar pela simbologia nazi.
Em política, o que parece pode não ser. E quando estamos perante um acumular daquilo a que podemos chamar fraude política, é preciso atenta vigilância e forte desmascaramento político para não sermos surpreendidos por factos consumados.


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