Sem brilho

Vasco Cardoso
Passavam pouco mais de 15 minutos das 11 horas da manhã desta segunda-feira e já reinava uma certa impaciência na corte de ministros, secretários de estado e comissários europeus, que aguardavam por Sócrates e Barroso para a habitual foto de família que assinalará a Presidência Portuguesa da União Europeia.
Junto ao belo edifício da Alfândega do Porto, tendo como pano de fundo o eterno Douro, tão proeminentes e anafadas figuras entretinham-se em salamaleques, ao mesmo tempo que limpavam o suor das testas luzidias que estorricavam ao sol. Eis que enfim chega o casal do momento para o tão aguardado retrato.
Qual conjugação dos astros, qual conspiração da natureza, qual prenúncio dos tempos, não é que uma nuvem, daquelas que carregam o céu e que agoiram a terra, decidiu aparecer, escurecer o dia e retirar o brilho daquele momento que se queria para a posteridade?
O governo PS bem gostaria de uma presidência portuguesa iluminada pela providência, para concretizar o programa de agravamento do carácter federalista, neo-liberal, militarista da UE. Aliás, é esse o mandato que aceitou cumprir numa obediência cega ao Capital e às grandes potências, de costas viradas para o Povo português e para os problemas reais do país. Querem impor novamente uma Constituição Europeia (que já foi derrotada) e que arrasa com o quadro de direitos dos trabalhadores e com muitos dos aspectos da soberania nacional de cada Povo e de cada Estado.
Mas sobre toda a Europa, e particularmente sobre Portugal, pesam os problemas do desemprego, da exclusão social e da pobreza. Agravam-se as desigualdades entre Estados e no seio de cada país. Avançam com toda a força as privatizações nos transportes, nas comunicações, na energia, mas também na saúde, no ensino e na segurança social. Generalizam-se as políticas antidemocráticas e militaristas. A Europa do Capital, a Europa de Sócrates e Barroso é cada vez mais desigual, injusta e cruel.
Se esperavam que o Povo português se deixasse embriagar pelo desfilar de figurões, de cimeiras e pelos holofotes que a comunicação social incidirá sobre a «presidência», aplaudindo embasbaco o espectáculo, então estão enganados. Sócrates já está avisado – ainda há pouco mais de um mês viu um milhão e 400 mil trabalhadores em greve geral – e Barroso não esquecerá tão depressa como foi corrido do país. Quanto aos restantes, se ninguém os informou ainda, ficam a saber que este Povo tem profundas tradições de luta, que sabe o que é resistir e vencer e que conta com um Partido ao seu lado, determinado em dar a volta a isto.


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