Fazedores de fortunas

Vasco Cardoso
Longe vão os tempos em que ricos e poderosos se cobriam de jóias e finas vestes, construíam palácios e catedrais ou se empanturravam em faustos banquetes. Hoje, para além dos que se pavoneiam em patéticas revistas, o Capital opta por alguma discrição e percebe-se porquê. Não é a ostentação que está fora de moda ou falta de imaginação para gastar tão colossais fortunas mas a percepção de que, se os milhões de explorados tivessem consciência plena que a razão da sua miséria estava na acumulação dos exploradores, os dias de tão criminosos saques estariam contados.
Determina assim o Capital que sobre os seus lucros e a obscena acumulação capitalista recaia um manto de silêncio, ou melhor, que se conheça apenas o necessário, confirmando a razão por que «o segredo é a alma do negócio».
Mas há quem se deslumbre perante a sagacidade do Capital e não resista em enaltecer os figurões. Foi assim que na passada semana a revista Visão apresentou os «Fazedores de fortunas», gente com
«muito dinheiro e a habilidade para, em pouco tempo, o multiplicar na bolsa». Essa «habilidade» tocou especialmente 9 rapazes que, em pouco mais de um ano, realizaram em especulação bolsista qualquer coisa como 3,7 mil milhões de euros, limpinhos de impostos. Para se perceber melhor a dimensão da «habilidade» basta ver que se dividíssemos este valor pelos 10 milhões de portugueses cada um receberia 3700 euros. É obra!
Entre os «Fazedores de Fortunas» encontramos os suspeitos do costume, o Engº Belmiro que apesar ou por causa da OPA sobre a PT arrecadou quase mil milhões, Américo Amorim que contou com uma ajudinha das privatizações na energia para ganhar 1,3 mil milhões em 18 meses, ou a parelha Carlos e Jorge Martins que, em 11 dias apenas, ganhou 200 milhões.
Dinheiro, muito dinheiro, fácil, rápido, limpo, legal, ganho na compra e venda de acções, ali na Bolsa de Valores, no maior casino do país. O Governo aplaude a dinâmica, é moderno, é empreendedor, é importante para o país e há que continuar, há que garantir que se os últimos anos foram bons os próximos serão melhores. Estejam então tranquilos: vamos ter mais empresas para privatizar, liberalizar os despedimentos, os salários não precisam de crescer e o emprego pode ser todo precário, vamos dar mais benefícios fiscais e distribuir fundos comunitários; tomem também conta das escolas, dos hospitais, das reformas, pois todos os dias cá estaremos para explicar ao Povo que assim tem de ser, que não há outro caminho, que é preciso fazer sacrifícios.
Felizmente não faltam exemplos na história da humanidade a mostrar que, mais tarde ou mais cedo, o Povo se farta e vira isto tudo ao contrário. Cá estamos a construir esse dia.


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