O Tó faz falta

Jorge Cordeiro
O discurso dos sacrifícios de hoje e com data, em nome de dias melhores que o tempo fará aparecer, é tão velho no cardápio da exploração do trabalho quanto a idade do capitalismo e dos seus teorizadores. É em seu nome que se amputam direitos, se impõem congelamentos de salários e se reduz o poder de compra. Como recorrente é, embora mais tenro de idade, o inebriante discurso sobre a comunhão de interesses entre trabalhadores e patronato (a mais das vezes administrações que o representam) que a empresa constituiria, ou a menos polida, embora não menos eficaz, conversa que a pretexto da defesa do posto de trabalho chantageia salários e parasita direitos. Dir-se-ia que a conversa sobre sacrifícios, «colaboração» empresarial e contenção salarial — omnipresente na arenga governativa, na conversa das confederações patronais, nos encomendados comentários de analistas políticos e económicos ou nos cíclicos boletins do Banco de Portugal e do seu zeloso governador, — não suscitaria, de tão gasta e usada, surpresa alguma digna de registo para ser de nova credora do espaço que a presente crónica lhe faz menção de dedicar. Mas como que fazendo juz ao significado inerente ao próprio conceito há sempre, mesmo quando se julga nada poder já constituir surpresa, algo capaz de nos surpreender. É o caso de António Chora – membro da CT da Autoeuropa e exemplo maior da montra do trabalho do BE – e da sua entrevista a um matutino. Diz António, posto perante o congelamento dos salários durante dois anos na empresa que «vale a pena fazer agora alguns sacrifícios para manter amanhã os postos de trabalho» tanto mais que, segundo ele, tem «uma administração a lutar por novos produtos». Empolgado, porventura, com a comunhão de interesses que o une à administração, não hesita mesmo em sentenciar que outras empresas deveriam seguir-lhe o exemplo. Num quadro em que a chantagem sobre salários e direitos constitui, face às programadas ameaças de deslocalização, o principal instrumento para acentuar os níveis de exploração e fazer crescer os lucros dos principais grupos e empresas multinacionais, a Administração registará o gesto e o capital da empresa, em particular, agradecerá reconhecido tanta dedicação.
Afixado que foi em Lisboa pela mão do BE um cartaz que grita a falta que lhe faz o Zé – vá-se lá saber porquê o pavor que ele lhe fuja – é caso para se dizer que, com inteira justiça e não menor sentido de oportunidade, a CIP e as principais multinacionais deveriam desde já lançar uma campanha de publicidade onde reconhecidamente levassem, aquém e além fronteiras, mais longe a ideia de que «O Tó faz falta».


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