Cadastrados

Anabela Fino
O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, decidiu controlar as adesões dos trabalhadores da Administração Pública às greves. Num despacho datado de 15 de Maio – quinze antes da greve geral convocada pela CGTP-IN –, o ministro invoca as sistemáticas discrepâncias dos números divulgados pelo Governo e pelas estruturas sindicais respeitantes às referidas adesões, o que, em seu entender, impõe a adopção de «procedimentos que assegurem a transparência do processo de apuramento dos dados e que garantam a sua veracidade e credibilidade».
Lembrando que é da sua atribuição a «definição de políticas relativas à Administração Pública, designadamente nas áreas referentes à organização e gestão dos serviços», Teixeira dos Santos considera dever avançar para o controlo dos grevistas, pelo que determinou e mandou publicar o dito despacho onde, no ponto três, ordena a criação de uma base de dados para inscrição na Internet do «número total de trabalhadores e o número total de trabalhadores ausentes por motivo de greve». Para o efeito, deverão os «dirigente e titulares dos órgãos máximos dos serviços da administração directa e indirecta do Estado» preencher um formulário electrónico (que se diz estar disponível em www.dgaep.gov.pt, mas que não conseguimos localizar), até às 11.30h de cada dia de greve, com actualização até às 16h do mesmo dia.
Estranhas medidas, estas. Primeiro porque, tanto na exposição de motivos como na determinação de Teixeira dos Santos está subjacente um princípio que a lei da greve de todo não consagra, ou seja, que os trabalhadores estariam obrigados a informar antecipadamente se aderem ou não à paralisação. Com efeito, não se percebe o que é que a «organização e gestão dos serviços» tem a ver com o apuramento dos dados da adesão, uma vez que tal obrigação não existe. E não existindo essa obrigação, também não se percebe como é que às 11.30h de cada dia de greve se pode concluir que a ausência de um trabalhador se deve à adesão à mesma e não a qualquer outro motivo (doença súbita, atraso no trânsito, assistência à família, etc., etc., etc.), já que a justificação de faltas é feita à posteriori e não por antecipação.
Já agora, também não deixa de ser curiosa a convicção do ministro de que os dirigentes e titulares dos órgãos máximos dos serviços não têm nem terão jamais a veleidade de fazer greve – um direito que lhes assiste – pelo que pode contar com eles para a contagem dos grevistas.
Assim sendo, cabe perguntar o que pretende Teixeira dos Santos com esta súbita ânsia de «transparência», que como se viu não serve para organizar serviços nem permite saber, em dia de greve, os reais motivos das ausências ao trabalho. A resposta mais óbvia é que se trata de uma manobra de inadmissível intimidação dos trabalhadores, independentemente do vínculo, que objectivamente procura impedir o legítimo exercício do direito à greve.
Esta espécie de Big Brother da Administração Pública que é a criação de uma base de dados susceptível de identificar os grevistas – resta saber que elementos são carreados para o tal formulário ainda não disponível – assemelha-se por demais a um cadastro para memória futura – com que então o meu amigo fez greve??!!! – passível de ser usado contra os trabalhadores. Os bufos não fariam melhor.


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