Novas oportunidades

Vasco Cardoso
Por entre anúncios televisivos a champôs e a batatas fritas, ter-se-á já seguramente reparado na campanha que o Governo decidiu promover a propósito de uma iniciativa sua, o chamado Programa Novas Oportunidades que, só por acaso, foi apresentado pelo Primeiro Ministro à mesma hora e no mesmo dia em que decorria a maior manifestação de jovens trabalhadores dos últimos anos. Nesta propaganda oficial é possível observar imagens de figuras conhecidas como Carlos Queirós a cortar relva, Judite de Sousa a vender jornais ou Pedro Abrunhosa a limpar uma sala de espectáculos, terminando cada uma das peças com a frase: este é o fulano(a) tal que não acabou os estudos.
O que leva a escrever estas linhas não é tanto a forma propagandística em que este Governo se especializou para mascarar a sua política – quem fecha 1400 escolas e se prepara para encerrar mais 900 não deve andar muito preocupado com a qualificação da população – mas, sobretudo, o conteúdo da mensagem destes anúncios, reveladora, no mínimo, de algumas concepções desta gente.
Desde logo, a ideia que se procura transmitir de que o prosseguimento ou não dos estudos resulta (ou resultou) de uma qualquer opção individual, de uma falta de consciência ou perspectiva, ou mesmo de uma preguiça colectiva que levou a que uma grande parte da população portuguesa se tenha, ao longo de anos, baldado às aulas e ficado pela escolaridade mínima. Mais: que para tal não concorreram as condições económicas e sociais do próprio, a opção entre trabalhar para sobreviver ou estudar, os custos e as condições de acesso cada vez mais exigentes, sobretudo, à medida em que se eleva o nível de ensino. Em resumo, procura-se transferir o gravíssimo problema do abandono e insucesso escolar para a população e absolve-se as políticas de sucessivos Governos de elitização do ensino.
Uma outra ideia resulta da forma como se procura desvalorizar socialmente algumas profissões relativamente a outras, atribuindo um conteúdo negativo – e até revelador de incapacidade – às profissões exemplificadas, não se lhes reconhecendo valor e utilidade económica e projectando a ideia de que o trabalho manual e produtivo é um trabalho inferior, desqualificado, logo...mal pago. E, sobretudo, não se reconhecendo dignidade - sim, dignidade – a que qualquer trabalhador tem direito.
A campanha do governo fala em novas oportunidades para muitos que nunca tiveram uma oportunidade na vida. Para nós, a questão não está em ter novas oportunidades mas novas condições e novas políticas para estudar e trabalhar.


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