A crua realidade

Anabela Fino
Uma portaria dos ministérios da Administração Interna e da Saúde, publicada terça-feira, 10, em Diário da República, reduz de três para dois o número obrigatório de tripulantes das ambulâncias de socorro. Para Cunha Ribeiro, presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), trata-se de uma medida «realista», pois adapta a lei à situação de facto vivida no País.
A dita situação, segundo admitiu em Julho último o presidente do INEM numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia da República, é que um terço das ambulâncias pararia, por falta de pessoal, se fossem obrigadas a funcionar com três tripulantes.
A questão foi suscitada na época pelo presidente da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, Vítor Almeida, que acusou o INEM de, em 220 das suas 270 ambulâncias de transporte, não respeitar a legislação quer quanto ao número de tripulantes quer quanto ao equipamento.
Volvido quase um ano, o Governo resolveu o assunto de forma expedita: em vez de se preocupar com os utentes, mudou a lei, pelo que tudo continua mal mas perfeitamente dentro da legalidade.
Cunha Ribeiro aplaude, garantindo que desta forma «Portugal adopta uma solução realista sem perda de qualidade», o que por acaso até é verdade, já que qualidade não havia. Mais estranho é que Ribeiro assegure que esta «solução» é «muito semelhante a de países congéneres da União Europeia», embora não cite que «congéneres» são esses que ao invés de transformar qualitativamente a realidade adaptam as leis ao mau serviço prestado à comunidade.
Temos pois que, a partir de agora, as ambulâncias do INEM (re)passam a ter dois elementos, sendo que um deles, de acordo com a portaria, é simultaneamente o condutor e o outro deve ter, pelo menos, o curso de tripulante de ambulância de transporte.
Valha-nos esta apurada sensibilidade dos ministérios da Administração Interna e da Saúde, sem a qual haveria certamente o risco de a ambulância de transporte não poder transportar por falta de condutor, o que obviamente seria um inconveniente sério para os doentes a acrescer ao facto – pelos vistos de somenos importância – de não disporem dos cuidados de um médico ou para-médico.
Como disse à Lusa o responsável do INEM, a portaria vem resolver «uma situação que se pretendia maximalista mas que, como a realidade demonstrou, era totalmente inviável». Como diria o outro, é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.


Mais artigos de: Opinião

Timor-Leste, a luta continua!

Apesar de ter de a redigir antes de conhecidos os resultados das eleições presidenciais pareceu-me que o tema desta coluna devia ser Timor. Não que seja indiferente a confirmação nas urnas do papel decisivo da Fretlin na luta pela construção soberana, democrática e progressista deste martirizado país, sendo que se...

Lá vem a reforma

Ciclicamente assume foros de importância a estafada ideia de «Reforma do Parlamento». Não que a Assembleia da República não possa beneficiar com alterações que corrijam os ainda abundantes privilégios que o Governo detém, apesar de ser o órgão fiscalizado e de depender politicamente do Parlamento, ou que introduzam maior equilíbrio nos direitos dos partidos ali representados, especialmente em situações de maioria absoluta e com a recorrente convergência do Bloco Central em questões fundamentais.

Manifestações

Passados quatro anos sobre a invasão do Iraque, o derrube do regime de Saddam Hussein (a que alguns jornais e jornalistas em Portugal insistem em chamar «queda») e a ocupação militar de Bagdad pelos exércitos coligados dos EUA e do Reino Unido, realizou-se esta semana na cidade santa de Najaf uma manifestação gigantesca,...

Aldrabices

Há quase três semanas que andamos nisto. No seguimento das trafulhices apuradas na chamada Universidade Independente, que levaram preventivamente à cadeia os cabecilhas desta ilustríssima máquina de fazer dinheiro, fala-se agora pelos cotovelos no misterioso diploma de engenharia de José Sócrates.É de notar, de passagem,...

Quem faz as notícias?

A situação escandalosa em que mergulhou a Universidade Independente, que por arrasto levantou dúvidas a propósito do título académico do Primeiro Ministro, trouxe à luz do dia uma outra realidade que, apesar de muitas vezes ser denunciada pelos comunistas, ganhou expressão pela voz dos próprios protagonistas. Refiro-me à...