Manifestações

Henrique Custódio
Passados quatro anos sobre a invasão do Iraque, o derrube do regime de Saddam Hussein (a que alguns jornais e jornalistas em Portugal insistem em chamar «queda») e a ocupação militar de Bagdad pelos exércitos coligados dos EUA e do Reino Unido, realizou-se esta semana na cidade santa de Najaf uma manifestação gigantesca, com indeterminadas centenas de milhares de xiitas pisando furiosamente bandeiras dos ocupantes e reclamando a sua saída imediata do país.
Em involuntária ironia, as televisões até montaram em paralelo as manifestações realizadas neste mesmo dia, mas com quatro anos entre elas: primeiro, a que foi filmada no dia da ocupação da capital iraquiana, com um bando a aclamar os tanques norte-americanos que irrompiam por uma praça de Bagdad, enquanto vituperavam a estátua do ex-amigo dos EUA entretanto derrubada para todo o mundo ver; depois, a que na passada segunda-feira mostrava um mar de gente agitando bandeiras iraquianas, enquanto pisava bandeiras norte-americanas e israelitas e reclamava furiosamente a saída dos invasores. O contraste era flagrante: na primeira manifestação, o bando mal amanhado de umas dúzias de excitados a bater no metal da estátua evidenciava-se indisfarçavelmente como aquilo que sempre pareceu, um bando de rufias arrebanhados para aquele entremez, quando comparados com a multidão a perder de vista na segunda manifestação de Najaf e apesar do recolher obrigatório imposto pelos norte-americanos no início desta semana, onde pulsava um imenso e profundo repúdio contra a ocupação do país.
O contraste ainda é mais significativo, quando se sabe que a imensa multidão de manifestantes era maioritariamente xiita, já que foi convocada pelo religioso radical xiita Moqtada al-Sadr. Ora a propaganda norte-americana, profusamente ministrada a todo o mundo, tem valorizado com deliberação e empenho quer a supremacia numérica dos xiitas no Iraque, onde constituem cerca de 60% da população, quer a pretensa sujeição a que se encontrariam submetidos pela minoria sunita que hegemonizava a ditadura de Saddam, procurando fazer passar a ideia de que os xiitas, no Iraque, não só aplaudiram entusiasticamente a invasão do país, como se constituíram em aliados preferenciais dos ocupantes.
Ora esta gigantesca multidão a protestar com veemência contra a invasão e exigindo a retirada dos ocupantes era, sobretudo, xiita. Mas não só: nas primeiras filas estavam também chefes religiosos sunitas convidados expressamente pelos promotores da manifestação, apesar da conhecida escalada de violência sectária entre as duas comunidades estimulada pelos ocupantes norte-americanos, o que torna esta acção de protesto uma iniciativa de carácter intrinsecamente nacional e nacionalista e, sobretudo, uma condenação unânime da invasão e dos ocupantes norte-americanos.
É preciso acrescentar que os EUA mobilizaram os 173 mil homens que já têm no Iraque para impor o recolher obrigatório, o que não impediu que confluíssem para Najaf caravanas de autocarros a abarrotar de manifestantes.
Quatro anos depois, já só os discursos patéticos de Bush procuram iludir o óbvio: a fulgurante «vitória» dos EUA a invadir o Iraque encaminha-se de novo para a derrota final...


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