Lá vem a reforma

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política)
Ciclicamente assume foros de importância a estafada ideia de «Reforma do Parlamento». Não que a Assembleia da República não possa beneficiar com alterações que corrijam os ainda abundantes privilégios que o Governo detém, apesar de ser o órgão fiscalizado e de depender politicamente do Parlamento, ou que introduzam maior equilíbrio nos direitos dos partidos ali representados, especialmente em situações de maioria absoluta e com a recorrente convergência do Bloco Central em questões fundamentais.

Com as políticas de direita, nenhuma «reforma» devolverá o prestígio ao Parlamento

O que não é inocente é a tentativa de transformar a chamada «Reforma do Parlamento» no assunto central da vida política, coisa que normalmente convém e está nas intenções das maiorias de cada momento ou da lógica de Bloco Central. É que a entronização da dita «Reforma do Parlamento» tem sempre atrás de si a intenção de esconder o carácter profundamente negativo das políticas seguidas e de canalizar o justo descontentamento das populações para o mau funcionamento do Parlamento em vez de para o conteúdo das medidas erradas dos governos e das maiorias.
No caso concreto, é muito útil para o Governo PS que o maior número possível de portugueses, com o incentivo dos habituais fazedores de opinião, seja levado a procurar as responsabilidades em relação à situação do País, não nas medidas do Governo, mas no funcionamento da Assembleia da República.
Por outro lado, esta linha política é também muito útil para alimentar linhas demagógicas e populistas de cariz autoritário e antidemocrático, que procuram ganhar espaço de manobra.
Não será por acaso também que o PSD já veio insistir novamente na questão da redução do número de deputados, escondendo como sempre que essa redução significa um aumento do peso da representação dos partidos do Bloco Central, ao mesmo tempo que dificulta ou elimina as possibilidades de representação dos restantes partidos.
PS e PSD, responsáveis principais pela difícil situação em que o nosso país se encontra e pela degradação das condições de vida da generalidade da população, atiram para a frente com a reforma das instituições quando o que precisa de ser reformado é a sua prática política.

Amputação da pluralidade e muito mais

Mas se o objectivo principal do cíclico desvelo pela «Reforma do Parlamento» ou do «Sistema Político» é muitas vezes o de desviar atenções da política de direita, tais ciclos acabam também por traduzir-se, as mais das vezes, por empobrecimentos concretos do funcionamento da democracia. Assim foi nos últimos episódios por exemplo com a diminuição drástica dos tempos de debate, designadamente para os partidos com muitas iniciativas, como é o caso do PCP, ou com as antidemocráticas Lei dos Partidos e Lei do Financiamento dos Partidos, que ainda hoje estão em vigor.
Desta vez, e sem prejuízo de uma análise mais profunda, já assomam novas ideias de amputação de aspectos fundamentais de garantia da pluralidade do debate parlamentar. É o caso da peregrina ideia de diminuição de um dia de plenário (de 3 para 2 por semana). É que o plenário é o espaço por excelência de contraditório e fiscalização e é também onde os partidos podem incluir para debate as suas próprias propostas, apesar da predominância da iniciática do Governo e da maioria. Ora se diminui o espaço em plenário, diminuem as possibilidades de agendamento de propostas alternativas, deixando o Parlamento mais condicionado pelas prioridades do Governo.

É a política que tem que mudar

Do que precisamos em matéria de funcionamento do Parlamento é de mais poderes para os vários grupos parlamentares, para que as várias opções e propostas estejam em confronto. Do que precisamos é de mais espaço para que os reais problemas dos trabalhadores e das populações no debate parlamentar e não de uma agenda governamentalizada que abafe as políticas alternativas, principalmente as propostas pelo PCP.
O certo, contudo, é que nenhuma «Reforma do Parlamento» devolverá ao mesmo o prestígio junto da população se persistirem as políticas de direita. O que causa verdadeiro descrédito é a falta de cumprimento das promessas eleitorais; é a governação contra os interesses do povo e do País, acentuando privilégios de uns poucos; é a falta de resolução dos principais problemas da nossa sociedade; é a promiscuidade de interesses entre detentores de cargos políticos e poderosos grupos privados, numa verdadeira subordinação do poder político ao poder económico; é a real impunidade de que gozam muitos dos que desempenhando funções públicas as orientam por interesses privados.
Sabendo que para inverter esta situação é preciso continuar a lutar e a intervir em todos os campos, continuar a reforçar o Partido, dando cumprimento às decisões que tomámos nesse sentido e a manter e ampliar uma linha de política alternativa para o nosso País, teremos que estar também atentos às evoluções de mais uma «Reforma do Parlamento» agora em curso.


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