Para que não se esqueça!

Octávio Augusto (Membro da Comissão Política)
As tentativas de branqueamento do regime fascista que foi derrubado com a Revolução de Abril são antigas e recorrentes e assumem, conforme a conjuntura, linhas e argumentos diversos.

Entre 1932 e 1951 registaram-se 20 552 prisões por motivos políticos

A verdade é que se tem procurado desvalorizar o carácter fascista do regime – muitas das vezes transformado em autoritário – e o papel de alguns dos seus protagonistas, de entre os quais, Salazar e Caetano.
Não é nova a associação desse branqueamento a campanhas, também elas recorrentes, de deturpação, diminuição e ocultação do papel dos comunistas e do PCP no combate ao fascismo e na construção do regime democrático em Portugal. Mais recentemente, a receita repete-se, ainda que lhe venham sendo acrescentados novos condimentos.
Por um lado, multiplicam-se as realizações, os escritos, as declarações que visam alimentar a campanha anticomunista, a reescrita da história e até a criminalização do comunismo e dos comunistas e, por outro lado, proliferam com uma diversidade pouco habitual, livros – nove diferentes e ao mesmo tempo num único escaparate! – e trabalhos sobre Salazar e Caetano. Este último foi até homenageado recentemente, na sua qualidade de professor universitário… onde, naturalmente, foram enaltecidas as enormes qualidades e o talento daquele que foi o último rosto da ditadura e o protagonista da tal primavera marcelista que, como se sabe, enganou muito boa gente…
Já o natural de Santa Comba é transformado em pólo de desenvolvimento e em atracção turística se, como alguns desejam, vier a ter na sua terra natal o museu que muitos, saudosos, ambicionam e que os seus seguidores, mais ou menos encobertos, se encarregam de promover na Internet e na comunicação social.
Em Coruche, para alguns é chegado o momento de recolocar a estátua de uma figura profundamente ligada ao fascismo, que foi retirada por populares após o 25 de Abril…
Mas, como diz o povo, uma desgraça nunca vem só. Salazar aparece agora entre os «dez grandes portugueses», num concurso televisivo. A sua biografia, disponível no site da RTP, os abundantes comentários, análises e defesas a propósito, em que é escondido o seu verdadeiro papel, o seu pensamento retrógrado e tenebroso e a sua prática política, contribuem objectivamente para transformar, aos olhos dos mais descuidados, esta figura sinistra da história recente de Portugal num grande português…

Convém lembrar…

Convém lembrar que em Portugal existiu uma ditadura fascista que impôs um regime de feroz repressão e exploração, que cometeu crimes imperdoáveis contra o povo português e os povos das colónias! Foram 48 anos que significaram: a supressão das liberdades; a proibição de partidos políticos, da liberdade sindical e do direito à greve; a censura, a proibição de livros, revistas, peças de teatro, filmes e espectáculos; a repressão implacável, as perseguições, o exílio, a fuga para fora do País de muitos homens e mulheres; a polícia política, as torturas, as prisões – só entre 1932 e 1951, registaram-se 20 552 prisões por motivos políticos – Tarrafal, Caxias, Peniche, Aljube…; os assassinatos de Dias Coelho, Catarina Eufémia, Humberto Delgado e tantos outros; os 13 anos de guerra colonial, com 100 mil mortos e 30 mil feridos; uma sociedade vigiada e marcada pelo analfabetismo e o obscurantismo e pelo condicionamento da vida cultural; uma feroz exploração dos trabalhadores e um grave atraso económico e social; a emigração de milhão e meio de portugueses, que entre 1961 e 1973, deixaram o país em busca no estrangeiro, do trabalho e da liberdade que cá lhes era negado; o domínio do aparelho de Estado, da economia e da sociedade portuguesa por sete grandes grupos monopolistas e por latifundiários aliados ao capital estrangeiro, afinal os grandes beneficiários e sustentáculos da ditadura fascista.
Os 48 anos de fascismo não possibilitaram, ao invés do que alguns afirmam, o desenvolvimento económico do nosso país. Pelo contrário, submeteram a grande maioria dos portugueses a miseráveis condições de vida e de trabalho e fizeram de Portugal o País mais atrasado da Europa!
Estes são apenas alguns dos elementos que vão sendo escamoteados, omitidos, deformados, branqueados.
Salazar inspirou-se em Mussolini, colaborou com Hitler e foi aliado de Franco.
Agora, ao tentarem apagar alguns dos principais traços do regime fascista salazarista, pretendem «aligeirar e empobrecer na consciência popular as causas e as consequências de meio século de opressão» (1) e também «encobrir a revelação dos interesses, classes, organizações e individualidades que directamente se comprometeram, nacional e internacionalmente, com a opressão e exploração fascistas e colonialistas» (2) e «alimentaram e viabilizaram a ditadura de Salazar!»(3).
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(1) Pedro Ramos de Almeida, Salazar, biografia da ditadura, Edições Avante! Páginas 12 e 13.
(2) e (3) Idem


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